sexta-feira, 28 de maio de 2010

- Capitu como vai?

Capítulo LXII - Uma Ponta de Iago.

A pergunta era imprudente, na ocasião em que eu cuidava de transferir o embarque. Equivalia a confessar que o motivo principal ou único da minha repulsa ao seminário era Capitu, e fazer crer improvável a viagem. Compreendi isto depois que falei; quis emendar-me, mas nem soube como, nem ele me deu tempo.
- Tem andado alegre, como sempre; é uma tontinha. Aquilo enquanto não pegar algum peralta da vizinhança, que case com ela...
Estou que empalideci; pelo menos, senti correr um frio pelo corpo todo. A notícia de que ela vivia alegre, quando eu chorava todas as noites, produziu-me aquele efeito, acompanhado de um bater de coração, tão violento, que ainda agora cuido ouvi-lo. Há alguma exageração nisto; mas o discurso humano é assim mesmo, um composto de partes excessivas e partes diminutas, que se compensam, ajustando-se. Por outro lado, se entendermos que a audiência aqui não é das orelhas, senão da memória, chegaremos à exata verdade. A minha memória ouve ainda agora as pancadas do coração naquele instante. Não esqueças que era a emoção do primeiro amor. Estive quase a perguntar a José Dias que me explicasse a alegria de Capitu, o que é que ela fazia, se vivia rindo, cantando ou pulando, mas retive-me a tempo, e depois outra idéia...
Outra idéia, não, - um sentimento cruel e desconhecido, o puro ciúme, leitor das minhas entranhas.
Tal foi o que me mordeu, ao repetir comigo as palavras de José Dias: "Algum peralta da vizinhança." Em verdade, nunca pensara em tal desastre. Vivia tão nela, dela e para ela, que a intervenção de um peralta era como uma noção sem realidade; nunca me acudiu que havia peraltas na vizinhança, vária idade e feitio, grandes passeadores das tardes. Agora lembrava-me que alguns olhavam para Capitu, - e tão senhor me sentia dela que era como se olhassem para mim, um simples dever de admiração e de inveja. Separados um do outro pelo espaço e pelo destino, o mal aparecia-me agora, não só possível mas certo. E a alegria de Capitu confirmava a suspeita; se ela vivia alegre é que já namorava a outro, acompanhá-lo-ia com os olhos na rua, falar-lhe-ia à janela, às avemarias, trocariam flores e...
E... quê? Sabes o que é que trocariam mais - se o não achas por ti mesmo, escusado é ler o resto do Capítulo e do livro, não acharás mais nada, ainda que eu o diga com todas as letras da etimologia. Mas se o achaste, compreenderás que eu, depois de estremecer, tivesse um ímpeto de atirar-me pelo portão fora, descer o resto dai ladeira, correr, chegar à casa do Pádua, agarrar Capitu e intimar-lhe que me confessasse quantos, quantos, quantos já lhe dera o peralta da vizinhança. Não fiz nada. Os mesmos sonhos que ora conto não tiveram, naqueles três ou quatro minutos, esta lógica de movimentos e pensamentos. Eram soltos, emendados e mal emendados, com o desenho truncado e torto, uma confusão, um turbilhão, que me cegava e ensurdecia.

(Dom Casmurro)

a menina que não vivia sonhos.

Faço promessas malucas tão curtas quanto um sonho bom.
Se eu te escondo a verdade, baby, é pra te proteger da solidão.
Faz parte do meu show, meu amor.
(Cazuza)


"O que eu mais sinto é que eu quero abraçar uma árvore, ela quer abraçar um bosque inteiro com árvores, arbustos, flores, gramas etc...
(...)
"Eu acredito em finais felizes, ela sempre diz isso de mim. Já eu não sei se ela prefere os finais felizes, ou gosta de tê-los somente nos sonhos, onde eles são mais perfeitos e bonitos, não sei se ela tem medo de torna-los reais, fazendo com que eles literalmente deixem de ser 'um sonho bom'."
(Ela)


"Só agora eu sinto que as minhas asas eram maiores que as dele, e que ele se contentava com os ares baixos; eu queria grandes espaços, amplitudes azuis onde meus olhos pudessem se perder e meu corpo pudesse se espojar sem medo nenhum."
(Caio F.)

terça-feira, 18 de maio de 2010

o que se perde enquanto os olhos piscam?

pronde vai toda tampa de caneta?
todo recibo de estacionamento? todo documento original?
isqueiro, caderneta, a camiseta com aquele sinal...
pronde vai... toda palheta?
pronde foi... todo nosso carnaval?

pronde vai todo abridor de lata?
toda carteira de habilitação?
recado não dado, centavo, cadeado?
todo guarda-chuva pra fuga pro temporal!
pronde vai... o achado, o perdido?
eu não sei, veja bem... não me leve a mal...

pronde vai todo outro pé de meia,
carteira, brinco e aparelho dental?
pronde vai... toda diadema?
recibo, receita e o nosso enredo inicial?
pronde vai toalha de acampamento,
presilha, grampo, batom de cacau
elástico de cabelo, lápis, óculos, clips, lente de contato?
a nossa má memória!
a denúncia no jornal?
pronde vai... aliança, chaveiro, chave, chinelo e o controle pra trocar canal?

pronde vai o solo que não foi escrito?
labareda nesse labirinto,
o instinto, o reflexo, sem seguro...
o coro do socorro! o lançamento oficial!
pronde vai... a culpa da cópia?
pronde foi... a versão original!?

pronde vai a bala que se disparô?
o indício da gripe que disseminou
a culpa no porco no bicho animal?
a firmação do pulso! o discurso radical!
o troco em moeda... a lição da queda
pronde foi... nosso humor e moral?

pronde vai todo nosso desalento?
morre brisa, nasce vendaval
pronde vai a reza vencida pelo sono?
ela vale? me fale, me dê um sinal!

São Longuinho, São Longuinho,
me fale, me dê um sinal...

pra onde foi?
o canhoto, benjamim de tomada
passaporte, número de telefone, certidão, registro com foto,

simpleza, prudência, clareza... consideração!
autenticidade, compaixão, certeza...
a urgência, o acaso e a ocasião,
a postura, o primeiro nome, o amuleto, a muleta,
a raiva, a régua, a borracha, o erro, a rasura, a razão.
carregador de bateria, euforia, a perda, a pendência, o pudor, o perdão!
extrato, a ponta, a conta nova, a cola da prova e a extensão,
o estímulo, exemplo, a voz dissonante...
a coragem do meu coração!

São Longuinho, São Longuinho
me fale, me dê um sinal!
São Longuinho, São Longuinho
pra onde foi a coragem do meu coração?





chorei pouco no show...

sexta-feira, 14 de maio de 2010

quanto dura um 'para sempre'?



[ Ela dorme segura protegida no ombro dele que a protege seguro. Mesmo dormindo, mesmo do lado de cá. E isso é para sempre, por mais que o tempo passe e a afaste cada vez mais dele, que continua eterno naquele segundo em que o viu. E isso ninguém roubará. ]
(Caio Fernando Abreu)




ela vai mudar... vai gostar de coisas que ele nunca imaginou.

vai ficar feliz de ver que ele também mudou.
pelo jeito não descarta uma nova paixão...
mas espera que ele ligue a qualquer hora só pra conversar e perguntar se é tarde pra ligar.
dizer que pensou nela, estava com saudade, mesmo sem ter esquecido o que passou.

ele vai mudar... escolher um jeito novo de dizer 'alô'.
vai ter medo de que um dia ela vá mudar,
que aprenda a esquecer sua velha paixão.
mas evita ir até o telefone para conversar, pois é muito tarde pra ligar.
tem pensado nela, estava com saudade, mesmo sem ter esquecido que é sempre amor mesmo que acabe.
com ele aonde quer que esteja.
é sempre amor mesmo que mude.
é sempre amor mesmo que alguém esqueça o que é amor.

para conversar nunca é muito tarde pra ligar.
ele pensa nela, ela tem saudade...
mesmo sem ter esquecido que é sempre amor mesmo que acabe.
com ela aonde quer que esteja.
é sempre amor mesmo que mude.
é sempre amor mesmo que alguém esqueça o que passou.
(Mesmo que mude - Bidê ou Balde)





[ Ele a olhou. Ela, louca de amor por ele, não o reconheceu. Ele havia deixado de ser ele: tranformara-se no símbolo sem face nem corpo da paixão e da loucura dela. Não era mais ele: ela amava alguém que não existia mais, objetivamente. Existia apenas dentro dela. ]
(Caio Fernando Abreu)

Uma noite para todo um sempre.



Ontem vi uma noite diferente.
Em que sonhos foram reais.
Em que as pessoas mostravam sua essência exteriormente.

Onde os abraços eram verdadeiros.
Onde o mundo era bonito e bem colorido.
Onde as moças eram como fadas
E os rapazes soldados de chumbo.

Onde podia tocar na música
Como se ela tivesse alma tangível.
Onde o artista do palco parecia um amigo de infância.

Onde todos cantavam mesmo com corações doídos.
Como se a nossa voz em uníssono, nos curasse.
Onde uma grande família se reunia.
Celebrava a velha amizade.
Ou amor de dois corpos.

Foi assim uma das noites perfeitas.
Texto do Junior,
e foto do Stone.