domingo, 30 de janeiro de 2011

enredar

eu menti tanto, por todos esses anos, que nada mais é concreto, nada me parece real.
não lembro a idade exata que parei de fazer ballet e nem se eu realmente era boa naquilo. só lembro que me sentia gorda e parei por não querer me apresentar na frente de ninguém.
não consigo ter certeza se eu realmente era a preferida do meu pai na infância, mas sei muito bem que virei a odiável adolescente rebelde aos olhos dele.
se meu primeiro amor foi um menino ou uma menina, se eu beijei porque queria agradar minha amiga que incentivava ou porque estava mesmo querendo beijar aquele menino aos 12 anos, se eu tinha inveja da minha prima Amanda ou se ela tinha inveja de mim, não sei na verdade nada disso. não consigo ter certeza. porque enganei a mim mesma tantos anos, colocando panos quentes, dando motivos e enredos bonitos à todas essas e outras tantas coisas que aconteceram. porque as coisas marcam e eu nunca gostei de marca feia. cicatriz tem que ser no lugar certo pra ter charme.
e até hoje não quero que as pessoas vejam meu rosto com cicatrizes longas, fundas e tortas. não quero quebrar a minha imperfeição estrategicamente planejada.

queria perguntar pra todas as pessoas que conheço qual é a imagem que elas têm de mim e que elas fossem muito sinceras. talvez assim eu soubesse exatamente o que não sou.

dói tanto.

o mundo é um moinho, vai triturar teus sonhos, tão mesquinho.

- o que é que o senhor quer que eu cante pro senhor?
- um samba, né?
- mas qual é o que o senhor gosta?
- esse... 'o mundo é um moinho'.
- ah, bom...




Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora da partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar,
Preste atenção, querida
Embora saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me, bem amor,
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho
Vai reduzir as ilusões à pó.
Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás a beira do abismo
Abismo que cavastes com teus pés.



Um dia fiquei sabendo a história dessa música e chorei, chorei, chorei...
Deve ser muito difícil ser pai ou mãe de gente como eu.

Me perdoem.
Me perdôo por pedir perdão.

sábado, 29 de janeiro de 2011

es-ta-bi-li-za-a-dor

"Tinha desejos violentos, pequenas gulas, urgências perigosas, enternecimentos melados, ódios virulentos, tesões insaciáveis. Ouvia canções lamentosas, bebia para despertar fantasmas distraídos, relia ou escrevia cartas apaixonadas, transbordantes de rosas e abismos. Exausto então, afogava-se num sono por vezes sem sonhos."


"Há uns seis meses praticamente não saio de casa, detesto tudo, perdi o contato com as pessoas, fico vivendo uma vida toda pra dentro, lendo, escrevendo, ouvindo música o tempo todo."

Caio Fernando Abreu


Peguei dois trechos do Caio, assim meio que por acaso. Lendo assim poderia jurar que ele era bipolar. Vai ver era, vai ver só conhecia a dor em estado bruto e a alegria que entorpece de longe e escrevia como se fosse de dentro...

Ontem foi minha primeira consulta com o Dr. Marcelo, o psiquiatra novo. Foi num hospital psiquiátrico e eu descobri que tenho alguns preconceitos ridículos.
Finalmente encontrei meu médico! Saí de lá com o mesmo diagnóstico pela terceira vez e uma sensação de alívio que não dá pra explicar...
- Quais são os sintomas?
Tive vontade de falar 'você não entenderia'.
- Chega a fase da depressão e derruba tudo. Desisto de emprego, de namoro, de estudos, qualquer coisa que demande mais esforço que abrir os olhos e fechá-los de novo. Fico a noite toda acordada, durmo durante o dia, não tenho ânimo pra nada, varrer a casa me exige uma força absurda que não tenho de onde tirar. Tenho pensamentos pessimistas o tempo inteiro, imagino coisas absurdas, tenho medo de todo mundo, acho que o mundo tá armando um plano pra me foder. Me isolo, não consigo participar de nada. Não tô no mesmo ritmo do resto do mundo, é isso... não rodo junto com eles.
- Hmm... e depois?
- Depois vem a euforia e eu tenho pena dos pobres mortais que não são e nunca serão tão fortes e poderosos e magnéticos quanto eu. Sou produtiva, comunicativa, bebo muito, faço as pessoas rirem o tempo todo, elas se apaixonam e eu não me importo com nada do que sentem. Dissimulo sem culpa, o que importa sou eu, eu, eu. O mundo foi feito pra mim, se é que não foi feito por mim.
- E a libido? Aumenta?
- Muito.
- Tem muitos parceiros?
- Tô com depressão, não dou conta de nenhum. Mas na euforia tenho muitas relações afetivas.
- E o sexo?
Que fixação é essa, meu amigo?
- É muito e é bom.
Que cara-de-pau é essa, Ana?
- Faz muitas compras?
- Muuuitas. E me atolo em dívidas, não tenho mais nome na praça nem cartão de nada. Tenho tanta coisa sem uso em casa que dava pra montar uma loja. Coisas absurdas.
- Você disse que são fases... Sabe de quando em quando ou quanto tempo duram?
- Só consegui observar a depressão, que vem mais forte no final do ano e dura até fevereiro ou março, mais ou menos. Tenho depressões brandas e muita euforia o resto do tempo.
- E já passou por alguma situação de perigo?
- Viajei sem dinheiro pra voltar, sem documento, pra dormir na rua... Andei no telhado do prédio, no 14º andar, briguei de gritos, arranhões e mordidas com um homem muito mais alto e mais forte que eu, fui pro pronto socorro tomar remédio na veia sem necessidade, tive mais de 5 namorados ao mesmo tempo... tantas e tantas coisas... Mas é difícil separar o que é a Ana e o que é a doença.
- É um quadro típico... você tem um temperamento diferente. - eufemismos, ah, os eufemismos... - você tem Transtorno Bipolar Afetivo. E hoje já se sabe que pessoas brilhantes que fizeram coisas maravilhosas também eram portadoras do transtorno. - então ele contou de um cara que escreveu a constituição e de um outro cara que jogou futebol em uma copa aí e fez gol em todos os jogos. - Ele estava maníaco. -e riu. E ri. Maníaco.
Ele tirou o antidepressivo do psiquiatra antigo, passou outro e um estabilizador de humor.
- Já tinha recebido o diagnóstico antes? Sua psicóloga já falou disso pra você?
- Sim. Sim. - já tive esses fantasmas sim senhor.
- Pois então. Eu confirmo. É um caso clássico. E você é muito forte e vai ficar bem. Esse antidepressivo que te passei tem efeito rápido, logo você vai perceber que está mais animada. Tem que se observar, aprender a conhecer as reações do seu corpo. Vai melhorar seu sono também. As crises vão acontecer, mais brandas e em menor frequência, mas eu vou te acompanhar e vou estar aqui pra te ajudar. - uma mão amiga, meu Deus, muito obrigada por ela. - Daqui um mês você volta e a gente vê como estão as coisas. Vai ficar tudo bem.

Amém.


sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

tão meu que dói

"Mas não adianta: um dos meu males é ter medo de magoar as pessoas. Não precisar de ninguém... E há pouco me queixava de solidão. Eu não me entendo mesmo.
Cansei de ficar escrevendo. Tem um sol muito bonito lá fora. Queria aproveitá-lo junto com alguém. Como esse alguém não existe, vou ter que aproveitar sozinho. Vou até a minha praça, na beira do rio. Ver o pôr-do-sol e, por um segundo, sentir uma alegria enorme. Depois, uma espécie de medo sem pergunta e a tristeza crescendo fazendo nascer a vontade de morrer. Ou de viver ainda mais, com muito mais intensidade."

Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

ah, Caio, ah...

"...torço, o que mais posso fazer? "dar certo" é tão abstrato que sempre uso aspas nesta expressão - anyway, que aconteça, que deixe marcas, boas ou más, lembranças, tristes ou alegres, n´importe quoi. Que deixe material para o baú da memória, penso sempre assim, até nas maiores saias justas.
(...) Material para a memória, e lá estarei eu daqui 20 anos na minha cadeira de balanço, cercado de amigos e sobrinhos olhando o fogo na lareira, e pensando com um sorriso indecifrável no lábios: ah. Ah aquela tarde, ah aquele moço, ah aquele pôr-do-sol, ah aquele beijo no convés do navio. E dê-lhe balançar a cadeira nessa espécie de pescaria do tempo. (...) Viver é bom demais, e veloz, meio gincana às vezes. Pegue a tudo que você tem direito, e nós temos direito a absolutamente tudo de bom. (...) Por tudo que há de mau no mundo, nós merecemos o máximo do bom. Sem culpa!"

'cause baby, we're a fiiirework!




pra minha irmãzinha linda :)


vamos, deixe suas cores explodirem
você vai deixá-los todos surpresos!

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

metade

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que entristeça
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade... também.

Oswaldo Montenegro

antiga, clichê... e poesia pura.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

o resto é imperfeito

meu vô acabou de morrer.
por mais estranho que pareça, já me despedi dele há alguns meses atrás.
achei que não fosse sentir quando ele fosse.
mas o coração da gente apronta tanto...
e o meu tá apertado agora, sufocado. querendo virar tudo do avesso.

há uns dias atrás ele chamou meu irmão no hospital, pediu que fosse vê-lo. ele sempre gostou muito do meu irmão. há uns anos deu um relógio bonito, antigo e com os ponteiros parados pra ele.
quando meu irmão foi ao hospital, o vô disse que meu pai é meio desajustado, como a gente bem sabe, e que é pro meu irmão cuidar da minha mãe, da minha irmã e de mim.
o vô sabia que meu irmão é bem mais homem que meu pai. e o vô gostava da gente.

da última vez que o vi, naquela cama do hospital bonito e luxuoso, ele parecia uma criança muito frágil. desmoronei, sem esperar, ao vê-lo daquele jeito. sempre foi tão altivo, vaidoso, forte.
tomamos a benção, minha irmã e eu, e ele respondeu. há muito tempo não nos respondia, por pirraça criada na cabeça teimosa e grosseira dele.
também somos teimosas, há coisas que a genética não nega em distribuir.
demos o braço a torcer e estávamos ali, tão frágeis quanto ele, sem saber pra onde olhar, o que dizer. o coração em pedaços.
quando me despedi, ele olhou tão fundo nos meus olhos, de um jeito que eu achei que ninguém dessa família de gente prepotente fosse capaz de fazer.
- tchau, vô, bença. fica com deus.
- tchau. deus te abençõe, menina.

acho que minha vó deve ter recebido meu vô já. ou assim prefiro acreditar. e ninguém vai me fazer acreditar de outro jeito.
ela devia estar toda bonita e com aquele cheirinho de vó Ilda, aquele sorriso de vó Ilda. e quando ele chegou, pisando firme e com aqueles olhos de criança que vi no hospital, aposto que ela enlaçou-o num abraço e disse 'finalmente você vai ficar só comigo, Vicente'.

tchau, vô, bença. vai com Deus.
que o senhor encontre a paz.

*dedinhos cruzados*

inscrição no ProUni feita.
cruzem os dedinhos por mim também, please?
:)



psicologia, aí vou eu!

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

a efervescência e a cumplicidade

não entendo por que nos atraímos tanto pelo intenso, porém fugaz. quer dizer, entendo sim, visto que hoje somos todos muito independentes (ou pelo menos pretendemos ser) e nada que signifique um vínculo nos é favorável à isso.
há algum tempo atrás a palavra que definia minha vida era 'efervescência'. imagine aquele remédio que faz borbulhas e barulhinhos gostosos, termina rápido o efeito e se não for tomado na hora exata, em que faz cócegas no céu da boca, não valerá de nada.
uma paixão por semana e muito desejo de novidade. pensava - ingênua e pretenciosamente - conhecer o outro em pouquíssimos dias. assim que um desejo ou escolha se tornava previsível, pronto, era o anúncio do fim. o mistério do mundo do outro teria terminado e aquilo em breve se tornaria uma rotina - o que eu definitivamente não suportava.
conhecer muitos sotaques, muitos lugares, muitos beijos, muitos corpos, muitos sonhos... fazer parte de alguns e não realizar nenhum deles.
a gente se pega pensando 'se posso ter vários, por que ter um só?'. mania de colecionador pouco experiente. sabe-se bem que grande quantidade não significa nada diante de exemplares raros.
escutei 'todo amor que houver nessa vida' e perguntei pro Cazuza onde é que aquele amor se escondia. e não acredito que tenha sido ele a me responder, mas lá no fundo eu soube: na rotina, na continuidade, na cumplicidade construída. é impossível 'ser artista no nosso convívio pelo inferno e céu de todo dia', se não houver o 'diariamente' onde isso acontece.
sim, é necessária a dose de 'veneno antimonotonia' que vem com a paixão efervescente. mas mais que isso, é necessário saber multiplicar a dose. saber encontrar nos gestos previsíveis do outro segurança, e não tédio. saber o presente que, não só agrada, mas chega na hora certa. reconhecer a hora certa de dar colo, ombro, risada, beijo, sexo. não atropelar as palavras por ansiedade, mas por empolgação. saber-se lá e sabê-lo lá. sentir, sentir-se, senti-lo. sem perguntas cheias de medo das respostas. sem armaduras e muros imensos construídos com dor e insegurança disfarçados de modernidade e indiferença.
a beleza da rotina é o sabor da fruta mordida, o trocado pra dar garantia e a vontade de matar a sede na saliva. e só é vista com olhos que querem ver. os que não querem, perdem - chances, tempo, embalo das redes.
melhor que o frio na barriga dos primeiros encontros é o cafuné antes de dormir dos que amam, constroem e permanecem. é olhar nos olhos do outro e reconhecer seus próprios sonhos. é não se incomodar com o silêncio que paira ocasionalmente, afinal aquela é a conversa de duas almas, é o remédio que dá alegria.

peças da Campanha de Popularização do Teatro e da Dança que quero assistir



A última canção de amor deste pequeno universo

A peça "A última canção de amor deste pequeno universo", nova montagem da Companhia "Teatro Adulto", propõe releitura fatalista e contemporânea do primeiro livro do escritor alemão Johann Wolfgang Von Goethe. O texto é livremente adaptado da obra "Os sofrimentos do Jovem Werther", que Goethe escreveu aos 25 anos.

Data:
De 31/01 até 09/02

Onde:
Teatro Dom Silvério

Horários:
Segundas, terças e quartas: 21 horas

Observações:
Ingressos:
R$ 14,00 (inteira)
R$ 7,00 (meia-entrada)





ps.: é que a memória não ajuda, sabe? :)

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

you're pretty, pretty, pretty...




conversava na terapia sobre o momento em que decidi que não queria mais ser a 'menina inteligente' e sim a 'menina bonita'. estava cansada de elogios sobre minha facilidade de aprendizado, meu bom vocabulário com tão pouca idade, minhas redações que ganhavam prêmios pra escola... queria que reparassem no quanto os cachinhos dos meus cabelos eram imperfeitamente lindos, nos meus olhos pequenos e expressivos, no nariz empinadinho que todas as minhas amiguinhas invejavam, nas mãos que pareciam de gente grande de tão bem torneadas.
a beleza nunca foi uma virtude, ela é um vício. entorpece, alucina, aprisiona.
e então Listhiane me contou que no Japão um amigo dela disse pra uma menina que ela era linda. e ela respondeu 'como você diz isso? você não me conhece'.
tive vontade de viver para sempre no Japão, onde as pessoas são um tanto excêntricas (pra não dizer estranhíssimas) mas reconhecem e respeitam o que é realmente belo.
temos essa necessidade retrógrada de reconhecimento, de aplauso, admiração. que seja, mas seja então pelo o que realmente vale: o sorriso imperfeito que te faz sentir cócegas, as frases mal conjugadas que te impulsionam a seguir em frente, a ânsia infantil de vida e conhecimento, o corpo fora dos padrões que te arrepia e se encaixa no seu.
e são tantos os absurdamente lindos que nos cercam! e somos também tão lindos, mesmo passando a vida inteira tentando consertar bonecas e sermos magicamente consertados.
que da próxima vez que me digam 'você é linda', estejam falando do que habita em mim.
e que eu seja capaz de buscar cada vez mais beleza para o que não é visto com os olhos de fora.


"Joely... don't ever leave me."

soneto do maior amor

Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer – e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.

Oxford, 1938

dos símbolos

transtorno bipolar nunca foi :(:
ele é :D:

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

e me lembro de você em dias assim,


dias de chuva, dias de sol. e o que sinto não sei dizer.


você faz tanta falta. e imagino o quanto você deve estar cansada de escutar isso todos os dias, e toda vez que eu repito deve abaixar a cabeça e tampar os olhos com as patinhas, como fazia quando estava aqui comigo.

era assim todo dia de tarde, a descoberta da amizade. até a próxima vez...

quando você chegou nunca imaginei que faria por mim tudo o que fez. aliás, em momento algum eu imaginei. só quando, pouco antes de você partir, eu descobri que você tinha me ensinado a coisa mais linda e importante do mundo: o que é o amor.

e o resto não sei dizer... lembro das tardes que passamos juntas, não é sempre mas eu sei que você está bem agora. só que neste ano o verão acabou cedo demais... cedo demais...

você sempre foi tão travessa. diziam pra mim que você só podia ser hiperativa, e embora eu ainda não faça idéia se isso era possível, achava a maior graça do mundo concordando.
por vezes quis gritar, te colocar de castigo, te dar uns bons tapas! como é que podia estragar chapinha de cabelo, roupa, sapatilha, tapete, ursinho de pelúcia? e como é que podia abanar o rabo tão satisfeita com toda aquela bagunça? e como é que podia ter os olhos tão cheios de vida?
nem preciso dizer que, por mais que eu explodisse, tudo que eu conseguia te dar era amor, não é?
eu adoeci antes de você. aliás, quando você me conheceu, eu já estava muito doente. e você, antes mesmo de aprender a fazer xixi no lugar certo ou latir, já cuidava de mim. passava horas assistindo desenhos deitada no meu colo, me fazia sair de casa pra comprar a sua ração. fazia suas bagunças desajeitadas e eu dava gargalhadas vindas de um lugar que eu nem sabia que existia mais.
não sei como (e, o que me pergunto todos os dias, por que?), mas você adoeceu. e mal dava pra perceber no começo, porque você continuou forte e alegre. continuou cuidando de mim, dia após dia. e quando veio o diagnóstico, eu me desesperei. de repente Deus (ou o diabo) me mostrou que certas coisas não dependem de mim, que eu não sou invencível, que não poderia manipular suas dores e sua doença. e eu lutei contra, meu amor, sem forças pra lutar por mim, mas nunca deixaria de lutar por você. e nunca deixei, você sabe disso melhor que ninguém. como naquele dia que estava no meu colo - febril, fraca, com os olhos caídos e me pedindo aconchego - e eu te olhei chorando e pedi 'aguenta firme, neném. a mamãe não vai deixar nada de ruim acontecer com você. aguenta firme'. eu nem precisava pedir, é claro que você aguentaria. é claro que você não deixaria de ser a menina forte que sempre foi, nem por um minuto.
lutei muito, briguei muito, cuidei muito. mas a guerra que você venceu, Pitu, foi absurdamente maior. venceu as suas dores e venceu também as minhas. você me pedia colo pra, na verdade, me dar o seu. pulava em cima das minhas pernas e deitava o rostinho cansado em cima da minha mão como quem diz 'por favor, mamãe, cuida um pouco de mim, cuida um pouco de você'. e então a gente se cuidava e trocava o maior amor do mundo inteiro.
a doença foi cruel e piorou muito rápido. o Dr. João, a Mel, a tia Michelle, a Dai, a vovó, a mamãe... todo mundo fez tudo que pôde, lutou junto com você, tentou todos os remédios e tratamentos, todas as esperanças que nunca se apagavam. mas você pedia todos os dias pra que eu aceitasse e nos abraçávamos longamente... a minha dor era imensa por te ver partindo, mas nada se comparava a te ver sofrendo. precisava te deixar ir. e então eu soube amar.
filha, não sou capaz de falar nada sobre aquele 31 de agosto... só que a pior cena do mundo foi ver você ir embora e não poder segurar sua vida - tão breve e tão linda - nas minhas mãos. e eu quis estar ali e nunca me arrependerei disso, porque assim como você esteve ao meu lado em todas as horas, eu estaria ao seu lado também. porque eu sei que você se acalmava com os meus carinhos e com a minha voz, e que a sua partida foi mais leve ao som dos 'eu amo você' que repeti enquanto te acarinhava e beijava.
eu te amo e vou te amar todos os dias, eternamente.
e sei que vamos nos reencontrar... que quando eu chegar aí você vai me receber aos pulos como me recebia na porta de casa. e eu vou te apertar e te beijar tanto, minha Capituzinha...
enfeita o nosso cantinho que logo a mamãe vai brincar com você, bebê.



obs.: um pouquinho depois de terminar de escrever, começou a tocar nossa 'unwritten'.
ah, Pitu...


viver ultrapassa qualquer entendimento.

domingo, 16 de janeiro de 2011

ilustrando a minha vida



perfeito.

de onde vem a calma

De onde vem a calma daquele cara?
Ele não sabe ser melhor, viu?
Como não entende de ser valente?
Ele não sabe ser mais viril
Ele não sabe não, viu?
Às vezes dá como um frio
É o mundo que anda hostil
O mundo todo é hostil

De onde vem o jeito tão sem defeito
Que esse rapaz consegue fingir?

Olha esse sorriso tão indeciso
Tá se exibindo pra solidão
Não vão embora daqui
Eu sou o que vocês são
Não solta da minha mão
Não solta da minha mão

Eu não vou mudar não
Eu vou ficar são
Mesmo se for só

Não vou ceder
Deus vai dar aval sim
O mal vai ter fim
E no final, assim calado,
Eu sei que vou ser coroado
Rei de mim.
(Los Hermanos)

sábado, 15 de janeiro de 2011

das obviedades

é óbvio que não era pra dar certo.
quer dizer, dar certo deu sim, durante todo o tempo em que estivemos juntos.
comecemos de novo:
é óbvio que não era pra durar.
você tinha 11 anos, 3 filhos e mil histórias a mais que eu. e usava gírias do tipo "isso vai ser MARA". eu não me casaria com alguém que fala feito o seu Ladir.
me pediu em namoro na terceira vez que saímos. e, no mesmo dia, disse que se imaginava casado comigo, que teríamos uma filha. e me contou que tinha feito vasectomia, segundos antes. isso não é coisa de gente normal, e de anormal já me basta eu.
você tentava me surpreender sendo tão previsível. amando todas as coisas que eu amava, me levando à todos os lugares que tinham 'a minha cara', decorando nomes de pessoas que eu citava e perguntando por elas, prometendo casamento, amor eterno, filhos, estabilidade.
estabilidade. faça-me rir.
e me chamava de chérie, mas escrevia 'cherry'. ria com 'rsrs' levando à sério e sempre me dizia o quanto estava 'cançado' ou 'ancioso'. sem contar que, de repente, Freud passou a ser dito do mesmo jeito que se escreve. era uma afronta absurda à minha vergonha alheia.
é, Kellerson... Kellerson. olha seu nome. Kellerson. não precisava nem ter insistido depois do 'muito prazer, meu nome é Kellerson'. tudo que acontecesse depois disso estava, fatidicamente, destinado ao fracasso.
mas como eu ia dizendo, Kellerson, que bom que. não consegui terminar. a frase, digo. o raciocínio. a idéia. o texto. os nós.

chérie... de repente fez todo o sentido eu ter me apaixonado por esse nome assim que pensei em colocá-lo na cachorrinha nova.
mas o dela é assim ó, bem bonito, vê se aprende: Chérie. Querida. Amor. cheio de amor real.

psicose maníaco-depressiva

(porque algumas - raras - vezes os eufemismos são completamente dispensáveis)


"É como se minha vida fosse magicamente dirigida por duas correntes elétricas: contente positiva e desesperançada negativa - a que estiver em ação no momento domina minha vida, inunda-a. Agora estou inundada de desespero, quase histeria, como se estivesse sufocando. Como se uma grande coruja musculosa estivesse sentada em meu peito".
Sylvia Plath


a primeira vez que tive contato externo próximo com a psicose maníaco-depressiva (ou o transtorno bipolar de humor, pra ficar mais leve) foi quando meu tio teve um surto, no ano passado.
não que fosse assim tão próximo - convíviamos muito pouco e eu nunca estive presente em nenhuma crise que apresentou. pelo contrário, todas as vezes que o via pensava em como era um cara legal, divertido, como ele parecia entender a vida de um jeito certo e simples. 'o tio Serginho é doido', comentava entre risadas quando sabia de algo excêntrico que ele fez na adolescência ou agora mesmo, depois de anos de casamento (do qual fui daminha, muito linda, modéstia à parte) e três filhos.
sempre soube que ele era 'diferente'. que tomava remédios controlados desde a infância. que chegou até a 'ver coisas'. que gostava de raul seixas e legião urbana, de um baseado aqui e encher a cara ali, de brincar com os sobrinhos e dar risadas gostosas. que já tinha dado uns tapas na mulher (que devolveu com a mesma força, aliás), que seus dois filhos eram hiperativos.
o que eu não sabia é que aquele surto recente e assustador, aquele que fez a mulher pegar os filhos e sair correndo de casa, que fez com que ele fosse afastado do trabalho - aquele surto foi uma psicose resultante do transtorno que ele tem.
o transtorno bipolar. o mesmo transtorno que foi diagnosticado em mim, anos antes, quando tudo que eu pensava ter era transtorno alimentar. 'esse médico é louco', disse e nunca mais voltei. curioso como o meu tio ser 'doido' e o meu médico ser 'louco' tinham sentidos tão diferentes mesmo que os adjetivos sejam sinônimos.
- não, mãe, eu tenho certeza que ele deve ter outra coisa. transtorno bipolar não é isso, não faz isso com a pessoa. ele deve ser esquizofrênico. é, é isso, ele é esquizofrênico, não é?
- a tia Odete disse que o médico diagnosticou transtorno bipolar. esquizofrenia é por sua conta.
- fala pra ela me ligar. vou ajudar a arrumar tratamento gratuito. e me fala o nome dos remédios, vou conseguir de graça pra eles também. não esquece de pedir a dosagem. e de perguntar como eles estão... ela, os meninos, o meu tio.

ajudei no que pude. achei clínicas de tratamento gratuito, com psiquiatra, psicólogo e terapia ocupacional. achei farmácia do governo que dá os remédios, é só levar a receita e uma declaração do psiquiatra. não achei foi consolo - não pra mulher do meu tio, tampouco pra ele. não achei consolo pra mim mesma.
'definitivamente eu nunca tive transtorno bipolar. eu nunca fui psicótica. nunca vou terminar minha vida assim, afastada do trabalho, do convívio social e familiar', era só o que eu conseguia pensar todas as vezes que alguma notícia nova sobre meu tio chegava até mim.
e então lembrei daquela menina estranha que conheci em meio à dietas e restrições alimentares, a Bárbara. nos parecíamos muito e nos demos muito bem até começarmos a competir. a adrenalina é o alimento da euforia. lembrei que ela parecia forte, mas era completamente desestruturada. destroçada. e tinha o mesmo jeito de quem entende a vida do jeito certo que o meu tio tem, só que de um jeito mais complexo. a simplicidade nunca passou por ali.
lembrei de quando fiquei sabendo que a Bárbara ia se internar, por vontade própria e um pouco de empurrão da família cansada de sustentar o peso de um transtorno que era dela. 'ela é maluca. e burra. quer chamar atenção', julgamento infeliz o meu. se internar é o maior grito de desespero que alguém pode dar.

quando pela segunda vez veio o diagnóstico da psicose maníaco-depressiva, não me assustei tanto assim. já conhecia a "dor em seu estado bruto" de longas temporadas e várias passagens. já sabia voar e me alimentar de luzes e cores em plena euforia desenfreada. já admitia que aquilo não era comum, que não era emocional, que não passaria com o tempo. admitia que precisava de ajuda. que era algo químico e poderia me matar, ou me transformar em tio Serginho ou Bárbara - poderia me enlouquecer.
e eu não quero. não quero terminar internada, desesperada, sendo um peso na vida das pessoas. não quero desperdiçar tanta força e tanta energia que trago aqui dentro. não quero me matar, Deus, como eu não quero fazer isso. não quero recorrer ao gás do fogão como Sylvia Plath, sem mais saídas, fez.
eu quero ser uma sobrevivente. ainda que isso me faça ser cobaia de remédios, ser incompreendida por tantos médicos (e pior, pela minha própria família), ser taxada de fraca ou de louca.
fraqueza e loucura é fugir, como tantos fazem e eu tanto fiz. não dá pra fugir de algo que compõe boa parte do que você é.
não vou mentir e dizer que tenho esperanças de que um dia terei uma vida comum. não, eu sei que não terei. que vou depender dos remédios, das terapias e das mãos amigas. que vou sentir falta dos vôos da mania e vou sentir medo, todos os dias, que o abismo da depressão volte e me busque.
mas eu vou tentar. porque, afinal de contas, o que se há de fazer senão continuar vivendo?


"O maior pecado? Abandonar-se."
Madre Teresa de Calcutá

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

dois

te mandei uma música e disse que achei muito parecida com a gente.
ela falava de duas pessoas que se encontraram, caminhos opostos que se cruzaram, vontade de continuar caminhando juntos.
você demonstrou uma empolgação linda de se ver - e que eu não acreditei, sempre cética.
no outro dia fomos à um bar lindo. tomamos bebidas gostosas. você foi me mostrar algo dentro da sua mochila e vi um papel solto. você pegou, me mostrou, era a cifra da música.
"peguei pra aprender a tocar pra você. a nossa música".

a nossa música.

então eu passei a acreditar em você, em nós, em amor, em tudo.
afinal, algo já foi nosso.

desamor em alguns atos

vi a Marjorie Estiano interpretando naquela minissérie sobre as músicas do Chico e sabia que já tinha passado por algo do tipo. que tinha sido com você. só não lembrava direito o que era, você sabe, a memória não ajuda.
tava aqui escutando "Ela faz cinema" e pronto, lembrei.
estávamos na lojinha de milkshake (milkshake do qual você tem alergia, aliás), você cansado, eu também. algumas horas antes eu disse no twitter que tudo que precisava era chocolate. você me levou uma caixa de amanditas. e eu disse que não queria mais chocolate, a vontade tinha passado - mas ia levá-las assim mesmo, não se recusa amanditas, não é?
e eu ri de um ex que ficava me dizendo "se cuida" o tempo todo.
- como se eu fosse morrer porque não tô mais com aquele babaca. odeio isso. aliás, você também ficava nessa de "se cuida bem" quando terminamos. claro! achou que minha vida ia acabar porque não tinha mais você? coitado. - eu sempre sou tão debochada quando não devo...
- mas era de coração, eu queria te ver bem, viu? - e você se magoava com meus deboches.
depois eu disse que todos os evangélicos são burros e manipuláveis. que só gente sem cérebro é evangélica. que é ridículo, que não tenho respeito por nenhum deles. debochei, fiz piadinha. você perguntando o tempo todo "mas todos?" e eu respondendo rindo "é, todos, todos uns idiotas".
aí você me contou que toda sua família é evangélica. e eu não fiquei nem um pouco constrangida, só disse que ia fingir que, pra mim, eles não eram idiotas. você parecia tão cansado...

eu tinha tantas certezas. tantas certezas equivocadas.
como naquela sexta-feira tomando caipivodka de abacaxi no bar de comida baiana, no Santa Tereza. naquela sexta-feira que todos os lugares que íamos estavam ruins ou cheios ou fechados e já tínhamos perdido o show do Otto. naquela sexta-feira que você se irritou porque eu sempre chegava atrasada e que eu me esforcei pra vencer a apatia. naquela sexta-feira com o céu lindo, com seu perfume gostoso de cheirar bem atrás do pescoço, com o silêncio dentro do ônibus e as risadas à cada parada sem sucesso. naquele bar de comida baiana com o cheiro enjoativo e a caipivodka de abacaxi sem doce, naquela mesa do lado de fora onde não tinha espaço pra pendurar minha bolsa enorme. em que te contei no recente namoro de uma amiga e que o novo amor-da-vida-dela já ia conhecer o filho, a mãe, os amigos dela. você tinha o olhar vazio e a voz entristecida quando me perguntou quando conheceria minha mãe e meus irmãos. quando disse que sua mãe perguntava quando ia me conhecer. e eu ri, com ar de deboche, como sempre faço nas horas mais erradas. disse que quando passassem as comemorações chatas do final do ano todos se conheceriam. eu não acreditava naquilo, mas acreditava que todas as comemorações não seriam nada chatas, porque estaríamos juntos. porque você me ligaria no natal desejando coisas clichês e lindas, e eu ia te imaginar de roupa nova e bem passada na casa dos seus pais enquanto nos falássemos. porque no reveillon nós iríamos fazer qualquer coisa que não me preocupava, mas estaríamos juntos. abraçados, bêbados, risonhos. e nos beijaríamos longamente depois da contagem regressiva ridícula. e o beijo seria o melhor do primeiro minuto do novo ano. todos os novos beijos eram melhores que os outros. todos tinham o gosto da certeza equivocada. só o último teve o gosto real do que ele significou. não houve ligação no natal e muito menos beijo prometendo um 2011 juntos. só o vazio dos seus olhos que agora veio morar dentro de mim.

uma semana depois estaríamos tomando caipivodka de abacaxi de novo, bem docinha, naquele bar adorável perto da sua casa. sem assunto, sem olhares, sem cumplicidade, sem carinho. e eu ainda guardava todas as certezas vãs.

no sábado pela manhã você me olhou nos olhos durante longos minutos. e ignorando a única certeza verdadeira até então, eu fingi que não sabia que era a última vez. eu fingi que não sabia que aquele seu jeito - que eu tanto amava - de encaixar minha mão pequena como uma conchinha na sua mão grande e dar um beijo de olhos fechados era uma despedida delicada. fingi que a nossa distância era cansaço com a rotina, era minha depressão, era o fim de ano e seu clima pesado... era qualquer coisa, menos o fim.

quando saíamos da sua casa, eu tive vontade de chorar. fui andando na sua frente em direção à porta, e você me puxou pelo braço, me olhou nos olhos e me deu um beijo longo, cheio de língua e mãos me apertando junto ao seu corpo, cheio de suspiros e adeus. me soltou e sorriu. então eu soube, eu acreditei.
- nossa, bom dia! isso que é um beijo de despedida. - eu disse tão abandonada e pequena que quase desapareci. mas sorria, tão sutil, tão debochada.
- é, isso que é um beijo de despedida.

e foi. a única certeza real. o único sinal que eu não ignorei.
aquela era definitivamente uma despedida.
não era um final feliz, mas por sorte ou não - quem dirá? - foi o nosso.



(talvez nem me queira bem, porém fez um bem que ninguém me faz)

ao contrário

"Chega. Dessa vez vou acertar. Não vou chorar na sua frente porque acho um absurdo estar viva, não vou pirar porque deu quatro da manhã e eu tenho a impressão de que a noite é uma coisa de pirar a cabeça. Não vou beijar sua nuca no meio da noite e gostar de você como naquela canção do Legião, que diz que é como se não houvesse amanhã.
(...)
Chega de transar sonhando em andar de mãos dadas. Agora vou andar de mãos dadas pra ver se vale a pena transar. Porque dessa vez vou fazer tudo direito. Chega. E você nem sonha que eu sou meio bipolar, quero ser mãe e acredito no amor da vida. Acredito no amor pra sempre. Acredito em alma gêmea. Você nem sonha com essas coisas porque só conversamos coisas leves e engraçadas. Chega de ser a louquinha intensa. Maior legal transar e se divertir com a louquinha intensa, mas quem agüenta o tranco de me assumir, de me amar?
Ninguém. Chega. E eu corro no espelho de novo e repito cem vezes que não gosto de você. Não gosto de você. Não gosto de você. Porque se eu gostar de você, eu sei que você vai embora. E eu simplesmente não agüento mais ninguém indo embora. Porque nessa vida maluca só se dá bem quem ignora completamente a brevidade da vida e brinca de não estar nem aí para o amor. E eu preciso me dar bem e por isso ignoro minha urgência pelo amor.
(...)
Porque você tem a voz mansinha e só fala coisa inteligente. E você é cínico sem ser maldoso. Mas não, não. Estou morrendo de vontade de ser eu, mas ser eu só tem me feito perder e perder. E eu quero ganhar. Só dessa vez. Chega. E eu quero me dar de bandeja pra você. E dentro de mim uma voz diz: enlouquece. Vive um dia e já está bom. Depois eu demoro semanas pra me levantar, mas pelo menos fui intensa e vivi um dia. Mas não agüento mais nada disso. Quero viver uma história.
(...)
Peço pra você ir embora. E você jura que eu não estou nem aí pra você. Melhor assim. Dessa vez quero fazer tudo certo. Chega de fazer tudo errado. E eu te espio da janela, indo embora. E quero berrar o quanto gosto de você. E te pedir em namoro. E rasgar sua roupa. E te comer. E dormir enroscada no seu cabelo. E te mandar flores amanhã.
(...)
E se você não se apaixonar por mim mesmo com todo esse teatro de moça banal que eu estou fazendo, vai ser a prova de que eu precisava pra saber que você realmente vale a pena."

(Tati eu Bernardi)

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

escolha

"Escolha viver. Escolha um emprego. Escolha uma carreira, uma família. Escolha uma puta duma televisão. Escolha lavadoras, carros, CD players e abridores de latas elétricos. Escolha saúde, colesterol baixo e plano dentário. Escolha uma hipoteca a juros fixos. Escolha sua primeira casa. Escolha seus amigos. Escolha roupas esporte e malas combinando. Escolha um terno numa variedade de tecidos em uma merda de fábrica. Escolha fazer consertos em casa e pensar na vida domingo de manhã. Escolha sentar-se no sofá e ficar vendo game shows chatos na TV, enfiando comidas em sua boca. Escolha apodrecer no final, beber num lar que envergonha os filhos egoístas que pôs no mundo para substituí-lo. Escolha o seu futuro. Escolha viver."

Irvine Welsh, Trainspotting (1993)

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

da aceitação de ser quem se é.

"Olhando para o cachorro que agora vai longe com o velho, Clarice faria um lindo texto sobre a solidão humana ou sobre o fim da vida ou sobre a amizade sem palavras ou sobre como é mais bonito quando um ser aceita ser inferior. Os barbudos melancólicos eternamente tentando inventar um novo jeito de ser o antigo. Os barbudos melancólicos do Mercearia fariam um texto sobre esse velho trepando com o cachorro, sobre a tentativa de não se vender ao sistema e contemplar a vida numa praia, andando com um cachorro. Eles fariam esse texto e se celebrariam e se publicariam e se premiariam. E eles são escritores respeitados. Eu sou apenas a garota angustiada, de cabeça metralhadora, de tremedeira na existência, de maxilares travados de tanto que dói gostar tanto de tudo. Eu sou apenas a garota que tenta ser amada. E sou profundamente amada por alguns meses, até o garoto segurar firme a minha mão e dizer "nós somos inseguros e queremos uma garota normal". E então eu me pergunto se não deveria lobotomizar meu cérebro pra pensar menos, lobotomizar meu coração pra sentir menos..."
(Tati B.)

dezembro


"Terminamos não terminamos? Ele e eu não temos nada a ver, certo? Decidimos que era melhor assim, certo? Eu não tava bem com ele e nem ele comigo, certo? Porque era bom e tal. Aliás, meu Deus, como era bom. Mas não era bom pra ficar junto, certo? Então pronto. Chega. Adulta, adulta."
(Tati B.)

setembro



"Você era meu príncipe. Depois de tantos amores estranhos, pequenos, errados e tortos, finalmente eu tinha reconhecido no seu olhar centralizado e no seu sorriso espalhado, o meu príncipe. E o meu príncipe estava me dando o fora. Que porra eu ia esperar da vida agora?"
(Tati B.)