sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

28 de janeiro

Hoje é dia de mudar de casa, de rua, de vida. As malas sufocam os corredores. Os olhos buscam signos, avisos, o coração resiste (até quando?) e o rosto se banha de estrelas dormidas de ontem. Alguém pergunta: "O que é que se diz quando se está precisando morrer?". Eu não digo nada, e é a minha resposta.
Amanhã é dia de nascer de novo. Para outra morte. Hoje é dia de esperar que o verde desde quase fim de inverno aqueça os parques gelados, as ruas vazias, as mentes exaustas de bad trips. Hoje é dia de não tentar compreender absolutamente nada, não lançar âncoras para o futuro. Estamos encalhados sobre estas malas e tapetes com nossos vinte anos de amor desperdiçado, longe do país que não nos quis.
Tão completamente sento e espero que quase acredito ir além deste estar sentado no meio de escombros. Tento me concentrar numa daquelas sensações antigas como alegria ou fé ou esperança. Mas só fico aqui parado, sem sentir nada, sem pedir nada, sem querer nada.
Meu coração vai batendo devagar como uma borboleta suja sobre este jardim de trapos esgarçados em cujas malhas se prendem e se perdem os restos coloridos da vida que se leva. Vida? Bem, seja lá o que for isto que temos...

Caio Fernando Abreu in Ovelhas Negras

acabou

Nunca me conformei com o fim de nada. Por mais que eu sentisse que era a hora. Por mais que eu quisesse ou precisasse me livrar das coisas. O “acabou” sempre chega ou chegou como se eu jamais tivesse parado pra pensar nele. Cruel, terrível e doloroso além de mim.

O último dia em qualquer coisa que tenha durado tempo suficiente pra me fazer dormir sorrindo com o dia seguinte. Um emprego, um curso, uma casa, uma viagem especial, um relacionamento. O último dia do ano. Sempre tristes, sempre cheios de momentos em que eu preciso me isolar e ficar de um quase desespero catatônico. Uma vontade de sair correndo sem me mexer. Um pavor calmo e, pra quem nada entende de espasmos assustados, até sorridente. Abaixar e abrandar tudo em mim que ainda se debate pra continuar onde estava. Subindo loucos para a minha testa, todos eles. Mas quem são esses eles que sobem pra minha testa? Um mal estar em velar a vida que acabou pra poder continuar. Uma mistura caótica de enterro com nascimento, tipo se apaixonar.
Dez pra meia noite meus amigos já estão um pouco bêbados e os fogos começam nas praias próximas. A praia em frente à casa está linda e o teto cheio de bexigas brancas. Meus amigos cheiram bem. Digo, por causa do banho. Eu sumo. Desapareço. E começam as piadinhas “deixa, ela é assim mesmo”. Uma coisa horrorosa me assusta e eu quero algo que não é nem a minha mãe e nem a minha cama e nem a minha casa. Olho meu carro na garagem da casa e tenho um segundo de alívio. Ainda existe ir embora. Mas da onde? Eu sempre querendo ir embora. Mas pra onde? Quero um colo e um quente e um ombro que nunca conheci. Não é de homem, de amor, de força. O que é isso? Um enjoado que não faz passar mal. Um frio que não precisa de agasalho. Uma necessidade absurda de ir para um lugar que eu nem imagino qual seja. Uma saudade de vida inteira como se eu já tivesse vivido. Uma coisa enorme e ao mesmo tempo concentrada naquela picadinha de inseto atrás do meu joelho que incha e incomoda do tamanho do mundo. Uma angústia que estremece até aqueles cantos da gente que a gente passa batido. Uma coisa de cantos e não de peitos. Mas que acaba com o oxigênio.

Sento sozinha onde a vista é mais bonita. Aperto meu celular. Pra quem eu quero ligar? Quem? Ninguém. Não é saudade de gente essa coisa. Não é coisa que passa de ouvir voz ou desejo ou coisas bonitas. Então passa com o quê? Chama a Tati que vai dar meia noite. Não, deixa ela. Ela é assim mesmo. É “tipo” isso que ela faz? É e não é. É saudade da família, do cara, da cachorra? Não, ela é assim. Escuto os outros e enquanto isso acontecer, não vai passar. Preciso me escutar. Mas não tenho nada pra me dizer. Só esse vão dos pensamentos. Só esse intervalo de motivos. Só a soneca merecida do carrasco que mora no centro da minha cabeça. Só o momento alienado das listas. Esse bueiro vazio embaixo da vida. Essa falha da linha embaixo do que se tem a dizer. Esse nada que caio, de vez em quando, e que também não tem nada pra me dizer a não ser que o mistério também faz parte. Assim que eu me sentir mais leve, simplesmente saio dele, sem nada concluir. Não dá pra forçar, levar um choque de voltar pra superfície. Só o que existe é enfrentar esse algo que jamais soa como algo a ser enfrentado, já que não é nada.

Coloca aí a sinfonia número 5 para eu chorar? Quando meu pai me leva, aos domingos, para ver concertos, fico torcendo pra ter essa porque ela sempre explica, de alguma maneira, o fim das coisas. Não é de morte, mas é de morrer. Entende? Coloca? Não, Tati. Ninguém tem isso aqui, tá louca? A gente vai colocar o Asa de águia. Oi? É. E eu mais uma vez me pergunto porque saio de São Paulo no dia que mais tenho pânico de todos os dias do ano. Mas se eu contar pra alguém, vão me mandar pra médicos e remédios e curandeiros. Como se tivesse solução pra ter nascido. Ninguém entende nada. Então só me afasto e aperto o celular. Não quero nada e nem ninguém. Aperto apenas pra lembrar que existe, ainda, uma lista de querer dentro de mim. Que uma hora volta. Daqui a pouco eu volto e tudo volta.

A virada do ano. Estamos todos morrendo! Quero correr pela praia. E gritar. Fodeu galeraaaaaa! Estamos todos morrendo! Acabou. Ta acabando. Vai acabar. E isso é...putz, e isso é tão lindo que eu queria poder, agora, amar demais tudo e todos. Amar daquele jeito perfeito que dura um segundo e não quer nada em troca. Amar com meu caminhão da Granero. Do jeito enorme e grosseiro e Zona Leste que sei. Mas não faço nada disso, apenas rebolo, como se eu fosse mais uma ovelha do rebanho feliz, ao som do Asa de águia. E é como se o diabo me filmasse para eu saber, pra sempre, o quanto me traio pra jamais sucumbir a minha estranheza. O quanto deixo de assustar os outros com a minha maluquice e me assusto com a maluquice dos outros em mim. Rebolo pra dar de presente ao mundo minha presença, ainda que nem eu possa senti-la nessas horas.

Acabou. O ano virou. Daqui a pouco, todos estarão tão bêbados que eu poderei ser estranha ou infeliz ou bizarra ou nula como bem entender. Talvez ir dormir, por exemplo. Ou fazer coco. E poderei me libertar dessa obrigação pavorosa de estar feliz e simpática e emanando coisas boas. A ditadura da felicidade. Ano Novo é que nem o Rio de Janeiro. O Hugo Chávez da alegria. Eu quando fico estranha, quando tenho o “troço” que me dá, a última coisa que quero é um abraço. Agora imagina ficar estranha todo ano novo, a data dos abraços. Socorro.

As quatro da manhã, em meio a bexigas estouradas, gente caída, bocejos e I-pods descarregados, sinto a alegria vindo como um orgasmo daqueles que sabemos fortes porque se aproximam tímidos e ainda machucados. Canto bem alto. Danço. Abraço os restos das pessoas espalhados pelos restos da festa. Agora é a minha vez. Enquanto todos acabam de comemorar o final do ano, começo a comemorar o final da comemoração de final de ano. Ufa! Acabou! Acabou o Natal e o ano novo! Ufa! Agora que não precisa ser feliz, posso ser feliz em paz. Agora que não precisa ter energia, esbanjo minha falta de limite. Quero correr pela praia. Estamos todos vivos. Galeraaaaaa estamos vivooooos! Ufa! Acabou! Acabooooou! É isso. Não sei ser feliz com os finais que chegam. Mas sempre dou um jeito de me divertir quando sou eu que, apesar de tudo, chego até o fim.

em 2011

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

dizem que...

"o esforço pra lembrar é a vontade de esquecer".


me esforço pra lembrar. e tudo que mais quero é esquecer.
portanto vou escrever sobre tudo aquilo que passou e parece invenção.
ou foi?

que seja.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

o que eu quero de você

De Milly Lacombe.

"Quero acordar do seu lado num domingo de manhã e saber que não temos hora para sair da cama. E, depois, ir tomar café na padaria e ler o jornal com você. Quero ouvir você me contar sobre o trabalho e falar detalhadamente de pessoas que eu não conheço, e nem vou conhecer, como se fossem meus velhos amigos. Quero ver você me olhar entre um gole de café e outro, sem nada para dizer, e apenas sorrir antes de voltar a folhar o caderno de cultura. Quero a sua mão no meu cabelo, dentro do carro, no caminho do seu apartamento. Quero deitar no sofá e ver você cuidar das plantas, escolher a playlist no ipod e dobrar, daquele seu jeito metódico e perfeccionista, as roupas esquecidas em cima da cama. E que, sem mais nem menos, você desista da arrumação, me jogue sobre a bagunça, me beije e me abrace como nunca fez antes com outra pessoa. E que pergunte se eu quero ver um DVD mais tarde. Quero tomar uma taça de vinho no fim do dia e deitar do seu lado na rede, olhando a lua e ouvindo você me contar histórias do passado. Quero escutar você falar do futuro e sonhar com minha imagem nele, mesmo sabendo que eu provavelmente não estarei lá. Quero que você ignore a improbabilidade da nossa jornada e fale da casa que teremos no campo. Quero que você a descreva em detalhes, que fale do jardim que construiremos, e dos cachorros que compraremos. E que faça tudo isso enquanto passa a mão nas minhas costas e me beija o rosto. Quero que você nunca perca de vista a música da sua existência, e que me prometa ter entendido que a felicidade não é um destino, mas a viagem. E que, por isso, teremos sido felizes pelos vários domingos na cama e pelos sonhos que comparilhamos enquanto olhávamos a lua. Que você acredite que não me deve nada simplesmente porque os amores mais puros não entendem dívida, nem mágoa, nem arrependimento. Então, que não se arrependa. Da gente. Do que fomos. De tudo o que vivemos. Que você me guarde na memória, mais do que nas fotos. Que termine com a sensação de ter me degustado por completo, mas como quem sai da mesa antes da sobremesa: com a impressão que poderia ter se fartado um pouco mais. E que, até o último dia da sua vida, você espalhe delicadamente a nossa história, para poucos ouvintes, como se ela tivesse sido a mais bela história de amor da sua vida. E que uma parte de você acredite que ela foi, de fato, a mais bela história de amor da sua vida. Que você nunca mais deixe de pensar em mim quando for a Londres, escutar Dream' Bout Me ou ler Nick Hornby. E, por fim, que você continue a dançar na sala. Para sempre. Mesmo quando eu não estiver mais olhando."

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

E o que é que ela vê nele?

Nossos amigos se interrogam sobre nossas escolhas, e nós fazemos o mesmo em relação às escolhas deles. O que é, caramba, que aquele Fulano tem de especial? E qual será o encanto secreto da Beltrana?

Vou contar o que ela vê nele: ela vê tudo o que não conseguiu ver no próprio pai, ela vê uma serenidade rara e isso é mais importante do que o Porsche que ele não tem, ela vê que ele se emociona com pequenos gestos e se revolta com injustiças, ela vê uma pinta no ombro esquerdo que estranhamente ninguém repara, ela vê que ele faz tudo para que ela fique contente, ela vê que os olhos dele franzem na hora de ler um livro e mesmo assim o teimoso não procura um oftalmologista, ela vê que ele erra, mas quando acerta, acerta em cheio, que ele parece um lorde numa mesa de restaurante mas é desajeitado pra se vestir, ela vê que ele não dá a mínima para comportamentos padrões, ela vê que ele é um sonhador incorrigível, ela o vê chorando, ela o vê nu, ela o vê no que ele tem de invisível para todos os outros.

Agora vou contar o que ele vê nela: ele vê, sim, que o corpo dela não é nem de longe parecido com o da Daniella Cicarelli, mas vê que ela tem uma coxa roliça e uma boca que sorri mais para um lado do que para o outro, e vê que ela, do jeito que é, preenche todas as suas carências do passado, e vê que ela precisa dele e isso o faz sentir importante, e vê que ela até hoje não aprendeu a fazer um rabo-de-cavalo decente, mas faz um cafuné que deveria ser patenteado, e vê que ela boceja só de pensar na palavra bocejo e que faz parecer que é sempre primavera, de tanto que gosta de flores em casa, e ele vê que ela é tão insegura quanto ele e é humana como todos, vê que ela é livre e poderia estar com qualquer outra pessoa, mas é ao seu lado que está, e vê que ela se preocupa quando ele chega tarde e não se preocupa se ele não diz que a ama de 10 em 10 minutos, e por isso ele a ama mesmo que ninguém entenda.

Martha Medeiros

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

p-e-r-f-e-i-t-o

O Último - Tati Bernardi

Eu me descubro ainda mais feliz a cada pedaço seu e de tudo o que é seu. Eu amo tanto o seu banheiro com as combinações em verde e a chuva fina do chuveiro, que chorei essa manhã enquanto você tomava taffman-e e ouvia música eletrônica.
Às vezes você é tão bobo, e me faz sentir tão boba, que eu tenho pena de como o mundo era bobo antes da gente se conhecer.
Eu queria assinar um contrato com Deus: se eu nunca mais olhar para homem nenhum no mundo, será que ele deixa você ficar comigo pra sempre?
Eu descobri que tentar não ser ingênua é a nossa maior ingenuidade, eu descobri que ser inteira não me dá medo porque ser inteira já é ser muito corajosa, eu descobri que vale a pena ficar três horas te olhando sentada num sofá mesmo que o dia esteja explodindo lá fora.
E quando já não sei mais o que sentir por você, eu respiro fundo perto da sua nuca, e começo a querer coisas que eu nem sabia que existiam.
Quando a gente foi ver o pôr-do-sol na Praça pôr-do-sol, eu, você e a Lolita, a minha cachorrinha mala, e a gente ficou abraçado, e a gente se achou brega demais, e a gente morreu de rir, eu senti um daqueles segundos de eternidade que tanto assustam o nosso coração acostumado com a fugacidade segura dos sentimentos superficiais.
Eu olhei para você com aquela sua jaqueta que te deixa com tanta cara de homem e me senti tão ao lado de um homem, que eu tive vontade de ser a melhor mulher do mundo.
E eu tive vontade de fazer ginástica, ler, ouvir todas as músicas legais do mundo, aprender a cozinhar, arrumar seu quarto, escrever um livro, ser mãe.
E aí eu só olhei pra bem longe, muito além daquele Sol, e todo o meu passado se pôs junto com ele. E eu senti a alma clarear enquanto o dia escurecia.
Eu te engoli e você é tão grande pra mim que eu dedico cada segundo do meu dia em te digerir. E eu não tenho mais fome, e eu tenho que ter fome porque eu não quero você namorando uma magrela. E eu sonhei com você e acordei com você, e eu te olhei e falei que eu estava muito magrela, e você me mandou dormir mais, e me abraçou.
Eu preciso disfarçar que não paro mais de rir, mas aí olho pra você e você também está sempre rindo. Se isso não for o motivo para a gente nascer, já não entendo mais nada desse mundo.
E eu tento, ainda refém de algumas células rodriguianas que vez ou outra me invadem, tentar achar defeito na gente, tentar estragar tudo com alguma sujeira.
Mas você me deu preguiça da velha tática de fuga, você me fez dormir um cd inteiro na rede e quando eu acordei o mundo inteiro estava azul.
Engraçado como eu não sei dizer o que eu quero fazer porque nada me parece mais divertido do que simplesmente estar fazendo. Ainda que a gente não esteja fazendo nada.
Eu, que sempre quis desfilar com a minha alegria para provar ao mundo que eu era feliz, só quero me esconder de tudo ao seu lado.
Eu limpei minhas mensagens, eu deletei meus emails, eu matei meus recados, eu estrangulei minhas esperas, eu arregacei as minhas mangas e deixei morrer quem estava embaixo delas. Eu risquei de vez as opções do meu caderninho, eu espremi a água escura do meu coração e ele se inchou de ar limpo, como uma esponja. Uma esponja rosa porque você me transformou numa menina cor-de-rosa.
Você me transformou no eufemismo de mim mesma, me fez sentir a menina com uma flor daquele poema, suavizou meu soco, amoleceu minha marcha e transformou minha dureza em dança. Você quebrou minhas pernas, me fez comprar um vestido cheio de rendas e babados, tirou as pedras da minha mão.
Você diz que me quer com todas as minhas vírgulas, eu te quero como meu ponto final.

o mau elemento

Eu olho pra sua tatuagem e pro tamanho do seu braço e pros calos da sua mão e acho que vai dar tudo certo. Me encho de esperança e nada. Vem você e me trata tão bem. Estraga tudo.
Mania de ser bom moço, coisa chata.
Eu nunca mais quero ouvir que você só tem olhos pra mim, ok? E nem o quanto você é bom filho. Muito menos o quanto você ama crianças. E trate de parar com essa mania horrível de largar seus amigos quando eu ligo. Colabora, pô. Tá tão fácil me ganhar, basta fazer tudo pra me perder.
E lá vem ele dizer que meu cabelo sujo tem cheiro bom. E que já que eu não liguei e não atendi, ele foi dormir. E que segurar minha mão já basta. E que ele quer conhecer minha mãe. E que viajar sem mim é um final de semana nulo. E que tudo bem se eu só quiser ficar lendo e não abrir a boca.

Com tanto potencial pra acabar com a minha vida, sabe o que ele quer? Me fazer feliz. Olha que desgraça. O moço quer me fazer feliz. E acabar com a maravilhosa sensação de ser miserável. E tirar de mim a única coisa que sei fazer direito nessa vida que é sofrer. Anos de aprimoramento e ele quer mudar todo o esquema. O moço quer me fazer feliz. Veja se pode...

Não dá, assim não dá. Deveria ter cadeia pra esse tipo de elemento daninho. Pior é que vicia. Não é que acordei me achando hoje? Agora neguinho me trata mal e eu não deixo. Agora neguinho quer me judiar e eu mando pastar. Dei de achar que mereço ser amada. Veja se pode. Vinte e poucos anos servindo de capacho, feliz da vida, e aí chega um desavisado com a coxa mais incrível do país e muda tudo. Até assoviando eu tô agora. Que desgraça!

Minha mãe deveria me prender em casa, me proteger, sei lá. Onde já se viu andar com um homem desses. O homem me busca todas as vezes, me espera na porta, abre a porta do carro. Isso quando não me suspende no ar e fala 456 elogios em menos de cinco segundos. Pra piorar, ele ainda tem o pior dos defeitos da humanidade: ele esqueceu a ex namorada. Depois de vinte e poucos anos me relacionando só com homens obcecados por amores antigos, agora me aparece um obcecado por mim que nem lembra direito o nome da ex. Fala se tão de sacanagem comigo ou não? Como é que eu vou sofrer numa situação dessas? Como? Me diz?

Durmo que é uma maravilha. A pele está incrível. A fome voltou. A vida tá de uma chatice ímpar. Alguém pode, por favor, me ajudar? Existe terapia pra tentar ser infeliz? Outro dia até me belisquei pra sofrer um pouquinho. Mas o desgraçado correu pra assoprar e dar beijinho.
(Tati Bernardi)



(continua assim, combinado? :)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

ela sempre falando por mim...

"Mas você com esse seu jeito só seu, de não me permitir saber o que esperar de você, me faz te odiar tanto e querer tanto a sua atenção. E me faz querer tanto você daqui a pouco, porque você não enjoa. Você me cansa demais mas não enjoa."
(Tati Bernardi)

libriana equilibrada

a pessoa espera a semana inteira pela terapia, ansiosamente.
precisa chorar, conversar, desabafar, falar o que tá sentindo de verdade. pre-ci-sa.
pega o ônibus errado, atrasada (!!!) e chega descabelada e sem maquiagem. toc toc, ei, bom dia! abraça a terapeuta, coloca a bolsa no sofá macio. 'água, né, ana?' 'é, água'.
pega o copo, senta no sofá macio, coloca a almofada tampando a imensa barriga imaginária.
é a hora de desabafar, então...
não. é a hora de fingir de forte/foda/não tô nem aí pro mundo. até pra terapeuta. pra terapeuta, porra.
pelo menos ela percebe que eu queria dizer o que disse... mas ao contrário.

aí a pessoa sai de lá querendo receber um abraço. e deixa um ônibus passar pra receber esse abraço. e o celular não toca. pega o próximo ônibus, foda-se o abraço, não tô nem aí pra você, seu idiota.
entra no ônibus, coloca os fones no ouvido e recomeça a leitura pela milésima vez daquele livro entediante sobre o transtorno que tem. sim, um livro sobre maníacos-depressivos consegue ser entendiante. maldito cara que escreveu.
fica entendiada. e presta atenção nas músicas. começa a chorar ouvindo legião. aí o celular toca, 'oi, amorzinho, onde você tá?' 'no ônibus, você disse que ia ligar 12:05 e são 12:25' 'ah, fiquei com medo de ligar e atrapalhar a terapia...' 'é, tô indo embora' 'queria tanto te ver, tô com tanta saudade' 'também tô' 'mas mais tarde vou te ver então, né?' 'aham' 'então tá, já fico mais feliz' 'ahn... então tá bom' 'amorzinho?' 'oi?' 'eu amo você'.
legião? não, katy perry! teenage dream pode embalar qualquer paixão, não pode? risinhos e coração tumtumtumtumtumtumtumtum.
até o cazuza aparecer e fazer as lágrimas voltarem porque, putaquepariu, que letra, que voz, que melodia, que música, que putaquepariu, que eu!
e a katy perry insiste em dar as caras cantando firework, não dá pra resistir, tenho que cantar alto, entrar no clima da música cause baby, i'm a fiiiiiiiirework!

daí a pessoa decide ir visitar a mãe e os irmãos. precisa de abraço, precisa desabafar, chorar, colocar tudo pra fora.
chega, abraça. escuta os problemas deles, fica horas e horas numa terapia individual e depois horas e horas em terapia familiar. tudo termina com as pessoas falando 'você me faz tão bem, me dá força, me sinto melhor agora'.

eu faço bem. eu dou força.
eu tô na merda e eu sou fraca.
porra. e meu colo, quem é que vai dar, hein?!

cansei de brincar de mulher-maravilha.
(e não consigo abandonar o papel que inventei e as pessoas amaram)

terça-feira, 9 de novembro de 2010

outra canção tristonha

(Thiago Pethit)

Dessa vez eu vou tentar sorrir
Nem que seja só pra constatar que eu não consegui
E mesmo assim você não estará pra ver, em vão,
Eu tentar sorrir assim sem jeito em meio à multidão
Cada vez mais longe você vai ficar de saber
Se há motivos pra eu cantar
Ou só pra fazer
Outra canção tristonha, sentimental, sobre você

Se acaso um estranho vier perguntar
Eu finjo que engasguei que engoli o ar
Tiro o pensamento fora de órbita
Invento um circo ou outro lugar
Pois quando for a hora de eu me despedir
Quando o avião partir
Eu vou saber


domingo, 7 de novembro de 2010

para uma menina com uma flor

porque eu queria que esse texto tivesse sido escrito pra mim.
ou que alguém se sentisse assim comigo, pra mim, por mim.


"Porque você é uma menina com uma flor e tem uma voz que não sai, eu lhe prometo amor eterno, salvo se você bater pino, que aliás você não vai nunca porque você acorda tarde, tem um ar recuado e gosta de brigadeiro: quero dizer, o doce feito com leite condensado.
E porque você é uma menina com uma flor e chorou na estação de Roma porque nossas malas seguiram sozinhas para Paris e você ficou morrendo de pena delas partindo assim no meio de todas aquelas malas estrangeiras. E porque você quando sonha que eu estou passando você para trás, transfere sua d.d.c. para o meu cotidiano e implica comigo o dia inteiro como se eu tivesse culpa de você ser assim tão subliminar. E porque quando você começou a gostar de mim procurava saber por todos os modos com que camisa esporte eu ia sair para fazer mimetismo de amor, se vestindo parecido. E porque você tem um rosto que está sempre num nicho, mesmo quando põe o cabelo para cima, como uma santa moderna, e anda lento, a fala em 33 rotações mas sem ficar chata. E porque você é uma menina com uma flor, eu lhe predigo muitos anos de felicidade, pelo menos até eu ficar velho: mas só quando eu der aquela paradinha marota para olhar para trás, aí você pode se mandar, eu compreendo.
E porque você é uma menina com uma flor e tem um andar de pajem medieval; e porque você quando canta nem um mosquito ouve a sua voz, e você desafina lindo e logo conserta, e às vezes acorda no meio da noite e fica cantando feito uma maluca. E porque você tem um ursinho chamado Nounouse e fala mal de mim para ele, e ele escuta mas não concorda porque é muito meu chapa, e quando você se sente perdida e sozinha no mundo você se deita agarrada com ele e chora feito uma boba fazendo um bico deste tamanho. E porque você é uma menina que não pisca nunca e seus olhos foram feitos na primeira noite da Criação, e você é capaz de ficar me olhando horas. E porque você é uma menina que tem medo de ver a Cara– na-Vidraça, e quando eu olho você muito tempo você vai ficando nervosa até eu dizer que estou brincando. E porque você é uma menina com uma flor e cativou meu coração e adora purê de batata, eu lhe peço que me sagre seu Constante e Fiel Cavalheiro.
E sendo você uma menina com uma flor, eu lhe peço também que nunca mais me deixe sozinho, como nesse último mês em Paris; fica tudo uma rua silenciosa e escura que não vai dar em lugar nenhum; os móveis ficam parados me olhando com pena; é um vazio tão grande que as outras mulheres nem ousam me amar porque dariam tudo para ter um poeta penando assim por elas, a mão no queixo, a perna cruzada triste e aquele olhar que não vê. E porque você é a única menina com uma flor que eu conheço, eu escrevi uma canção tão bonita para você, "Minha namorada", a fim de que, quando eu morrer, você se por acaso não morrer também, fique deitadinha abraçada com Nounouse, cantando sem voz aquele pedaço em que eu digo que você tem de ser a estrela derradeira, minha amiga e companheira, no infinito de nós dois.
E já que você é uma menina com uma flor e eu estou vendo você subir agora – tão purinha entre as marias-sem-vergonha – a ladeira que traz ao nosso chalé, aqui nestas montanhas recortadas pela mão presciente de Guignard; e o meu coração, como quando você me disse que me amava, põe-se a bater cada vez mais depressa. E porque eu me levanto para recolher você no meu abraço, e o mato à nossa volta se faz murmuroso e se enche de vaga-lumes enquanto a noite desce com seus segredos, suas mortes, seus espantos – eu sei, ah, eu sei que o meu amor por você é feito de todos os amores que eu já tive, e você é a filha dileta de todas as mulheres que eu amei; e que todas as mulheres que eu amei, como tristes estátuas ao longo da aléia de um jardim noturno, foram passando você de mão em mão, de mão em mão até mim, cuspindo no seu rosto e enfeitando a sua fronte de grinaldas; foram passando você até mim entre cantos, súplicas e vociferações – porque você é linda, porque você é meiga e sobretudo porque você é uma menina com uma flor."

*

Texto de Vinícius de Moraes.

moça, interrompida.

"As pessoas perguntam. 'Como você foi parar lá?' O que querem saber, na verdade, é se existe alguma possibilidade de também acabarem lá. Não sei responder à verdadeira pergunta. Só posso dizer: É fácil.
E é mesmo fácil escorregar para dentro de um universo paralelo. São tantos... O mundo dos insanos, o dos criminosos, o dos aleijados, o dos moribundos... talvez o dos mortos, também. Mundos que convivem com este mas não lhe pertencem, embora a ele se assemelhem.
Georgina, minha companheira de quarto, chegou de repente e por inteiro, quando cursava o antepenúltimo ano da Universidade de Vassar. Estava no cinema, vendo um filme, quando uma grande onda negra a engoliu. Por alguns minutos, o mundo se obliterou totalmente. Ela compreendeu que tinha enlouquecido. Olhou em redor, no cinema, para ver se aquilo acontecera com todos, mas as outras pessoas continuavam absortas no filme. Saiu correndo, pois a escuridão do cinema, somada à escuridão que inundava sua cabeça, era demais.
'E depois?', perguntei.
(...) 'Muita escuridão', ela respondeu.
Mas a maioria das pessoas chega aos poucos, abrindo de furo em furo a membrana que separa aqui do lá fora, até aparecer uma brecha. E quem resiste a uma brecha?
No universo paralelo, ficam revogadas as leis da Física. Nem sempre o que sobe desce, um corpo em repouso não tende a permanecer assim e nada garante que toda a ação corresponderá a uma reação igual e contrária. O próprio tempo é outro. Pode correr em círculos, refluir, saltar ao léu de hoje para ontem. Até a disposição das moléculos é fluída. Uma mesa talvez seja um relógio; um rosto pode ser uma flor.
Estes fatos, porém, você só descobre mais tarde.
Outro aspecto curioso do universo paralelo é que, embora ele seja invisível pelo lado de cá, depois que entramos fica fácil enxergar o mundo do qual viemos. Às vezes, o mundo do qual viemos nos parece vasto e ameaçador, trêmulo e instável como uma imensa gelatina; outras vezes, é uma miniatura fascinante, a girar, reluzente em sua órbita."

brisa

- Ela é tão livre que um dia será presa.
- Presa por quê?
- Por excesso de liberdade.
- Mas essa liberdade é inocente?
- É. Até mesmo ingênua.
- Então por que a prisão?
- Porque a liberdade ofende.
(Clarice Lispector - Um sopro de vida)

sábado, 6 de novembro de 2010

heart shaped box

porque ontem você me olhou daquele jeito que me desarma e disse "você é o meu amor". e eu senti que sim, que eu sou o seu amor, e sorri. porque você completou com "você nunca deixou de ser. eu sempre te amei" e meu coração já não suportava o ritmo acelerado das batidas. e porque você me encontrou - dentro, dentro - com os olhos e disse "eu amo você". e eu disse "amo você também" e nos beijamos daquele jeito tão doce e tão urgente - tão nosso.
e porque você disse que tem sido impulsivo, que tem sido ciumento. e eu tive vontade de te dizer que eu sempre esperei que você demonstrasse que me queria só pra você. e que eu sempre quis ser só de alguém. e porque o jeito que nós nos tocamos e nos olhamos é único, é quente, é terno.
porque você disse que tava com vontade de ir pra casa quando eu ia te dizer exatamente isso. porque você faz todas as minhas vontades e fica feliz por isso. porque você disse que comigo é diferente, que a gente sempre termina fazendo amor. e eu não achei isso nada cafona, embora eu goste muito de quando a gente trepa. porque você sabe, tão bem quanto eu, que o a nossa ligação é muito forte, que não dá pra fugir dessa força.
porque a gente se beijou, se devorou, se amou, se cuidou, se curtiu. porque acordar ao seu lado, fazer carinho na sua mão e receber seus beijinhos nas minhas costas são umas das melhores sensações desse mundo.
porque você acorda me querendo como se fosse a primeira e a última vez. e porque você anda de mãos dadas comigo na chuva quando o dia mal começou, pra me levar pra cumprir meus compromissos. e porque você se importa com algo que eu reluto em te mostrar, e entende a importância do seu apoio no meu caminho.
porque eu amo ver você comendo pastel como se fosse o melhor paladar do mundo e porque você fica uma graça com a barba suja de farelos. porque eu amo a nossa cumplicidade nas coisas mínimas.
porque você acredita que eu sou capaz e isso me faz acreditar também.
porque eu vivo querendo que você diga que me ama - e ontem você disse! -, mas eu aprendi a sentir o seu amor. e porque isso é tão mágico que não consigo fugir, mesmo que eu seja especialista em fugas.
porque eu não quero estar sem você, sem seu cheiro, o som do seu sorriso ou o toque da sua pele. porque eu não quero estar sem essa certeza de que com você tudo não só pode ser, como sempre é diferente. e único. e intenso. e doce. e inabalável.
porque eu guardo você no meu lugar mais bonito, mais cheio de amor, com os sentimentos mais puros e safados, com toda aquela esperança e com todo esse brilho nos olhos que eu nem sabia que existiam de verdade.
porque eu amo você. e amo amar você. e mesmo que o 'pra sempre' não exista, todos os nossos momentos foram tão felizes que valeram por toda uma eternidade.




"a gente se reconheceu de longa data quando se viu pela primeira vez na vida".
(Tati Bernardi)

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

stranger but mine

(e-mail quase antigo)

'mas foda-se. não você. meu pensamento. foda-se. hahaha. tô feliz porque essa semana eu consegui ser eu, pelo menos na maior parte do tempo. e porque você não deixa as borboletas se aquietarem. e porque eu fico rindo feito uma idiota quando toca a música que cê me mandou. e porque fico cantarolando stranger but mine quase o dia todo. e porque te quero perto. e é tão bom querer alguém perto. e é tão melhor esse alguém ser você.'



even tough i know you have a lot in your mind, the future, the pass and the planes you might fly... i just want to tell you that this love is true. you're a stranger, but you're mine.

tempestades

hoje quase te falei das minhas urgências. quase tentei te explicar a tempestade que cai e inunda tudo aqui dentro, que é maravilhosamente assustadora. pensei em te falar que essa minha ansiedade é por um motivo único e insolucionável: a vida. tentei imaginar uma maneira de te perguntar se você entende. se você sente. enquanto deslizava os dedos pelo seu braço e observava sua tatuagem bem abaixo da sua cicatriz, me perguntei quais outras marcas você traz no corpo, na memória, na vida. imaginei se suas marcas poderiam ser parecidas com as minhas. quis me aninhar grosseiramente no seu corpo e te dizer 'tenho urgência de viver' como quem confessa um pecado delicioso.
mas você não entenderia. até agora você não entendeu. você me acha tranquila, diz que bebo pouco e que é fácil conviver comigo. e tenho raiva e esperança quando você diz essas coisas. talvez você não me olhe o bastante pra enxergar meus furacões, mas talvez - quem sabe? - ao seu lado minhas tempestades estejam se tornando mais brandas. se você vê uma mulher tranquila que beija suas mãos, eu tento ignorar a mulher explosiva que quer te sentir dela, nela e só por ela. é só encostar um pouco mais minha pele na sua e a nossa química cuida da única urgência que consigo te revelar agora... só por sentir que essa nossa ansiedade é perfeitamente compartilhada. e depois, quando adormecemos juntos, por breves momentos, esqueço de todo tipo de pressa. só tenho calma. minhas vontades têm o ritmo das batidas do seu coração e cada um dos seus suspiros me embala na calmaria de, agora, sermos só isso, nada mais, não quero mais: o amor aconchegando o amor.






(eu amo o cheiro da sua pele quando acabamos de acordar)

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

o texto que já não faz o menor sentido

você conhece boa parte dos meus discursos moderninhos. de como eu acho idiota essa história de não transar no primeiro encontro pra não parecer vadia, de não ligar no dia seguinte pra não soar carente. já me ouviu falar por horas sobre amor próprio e ser dono da própria vida, ter controle dos sentimentos, impor limites.
o que você ainda não sabe é que eu nunca transei no primeiro encontro. e que, por mais interessante que a pessoa fosse, nunca apareci no dia seguinte. você não sabe, aliás, você não faz a mínima idéia do meu problema com limites. não pode imaginar quantas vezes me odiei por não me encaixar num padrão aceitável - de magreza, de beleza, de sanidade.
e eu fico me perguntando se, caso um dia você conheça todas essas coisas que no momento não sou capaz de te mostrar, você vai permanecer ao meu lado. e me pergunto também se ficar seria o certo a ser feito. talvez não por você mas por mim, afinal não sei lidar com essa presença inteira. é mais um detalhe que você não conhece (ainda?): a minha paixão pelas fugas. a minha fuga pelas paixões.
a efervescência, a efemeridade, o oblíquo, o inefável... o meu coração. que você permaneça, que eu não fuja, que tudo seja diferente e que eu não mais escreva para dar esperanças, mas apenas por tê-las.

valsinha



Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a dum jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar
Então ela se fez bonita com há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois o dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade enfim se iluminou
E foram tantos beijos loucos
Tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz.



terça-feira, 19 de outubro de 2010

uma mente inquieta

segunda parte
uma loucura não tão delicada


vôos da mente


há um tipo especial de dor, exultação solidão e pavor envolvidos nessa classe de loucura. quando se está para cima, é fantástico. as idéias e sentimentos são velozes e freqüentes como estrelas cadentes, e você os segue até encontrar algum melhor e mais brilhante. a timidez some; as palavras e os gestos certos de repente aparecem; o poder de cativar os outros, uma certeza palpável. descobrem-se interesses em pessoas desinteressantes. a sensualidade é difusa; e o desejo de seduzir e ser seduzida, irresistível. impressões de desenvoltura, energia, poder, bem-estar, onipotência financeira e euforia estão impregnadas na nossa medula. mas, em algum ponto, tudo muda. as idéias velozes são velozes demais; e surgem em quantidades excessivas. uma confusão arrasadora toma o lugar da clareza. a memória desaparece. o humor e enlevo no rosto dos amigos são substituídos pelo medo e preocupação. tudo que antes corria bem agora só contraria - você fica irritadiça, zangada, assustada, incontrolável e totalmente emaranhada na caverna mais sinistra da mente. você nunca soube que essas cavernas existiam. e isso nunca termina pois a loucura esculpe sua própria realidade.
a história continua sem parar, e finalmente só restam as lembranças que os outros têm do seu comportamento - dos seus comportamentos absurdos, frenéticos, desnorteados - pois a mania tem pelo menos o lado positivo de obliterar parcialmente as recordações. e então, depois dos medicamentos, do psiquiatra, do desespero, depressão e overdose? todos aqueles sentimentos incríveis para desembaralhar. quem está sendo educado demais para dizer o quê? quem sabe o quê? o que foi que eu fiz? por quê? e o que mais atormenta, quando vai acontecer de novo? temos também os lembretes amargos - remédios para tomar, para ressentir por ter tomado, para esquecer; tomar, ressentir, esquecer, mas sempre tomar. cartões de crédito cancelados, cheques sem fundo a serem cobertos, explicações devidas no trabalho, desculpas a serem pedidas, lembranças intermitentes (o que foi que eu fiz?), amizades cortadas ou esvaziadas, um casamento terminado. e sempre, quando isso vai acontecer de novo? quais dos meus sentimentos são reais? qual dos meus eus sou eu? o selvagem, impulsivo, caótico, vigoroso e amalucado? ou o tímido, retraído, desesperado, suicida, cansado e fadado ao insucesso? provavelmente um pouco de cada lado. de preferência, que grande parte não pertença a nenhum dos dois lados. virginia woolf, nos seus vôos e mergulhos resumiu essa história: "até que ponto nossos sentimentos extraem sua cor do mergulho no mundo subterrâneo? quer dizer, qual é a realidade de qualquer sentimento?"

Kay Redfield Jamison

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

iwantineed

eu quero o seu silêncio. quero o seu silêncio junto do meu. quero a sua necessidade de falar. quero a sua voz rouca de sono, doce de ternura, forte de saudade. quero os seus olhos me devorando, me acalmando, me provocando, me prendendo. quero as suas mãos me descobrindo, despindo, tocando, apertando, acarinhando, enlaçando, aconchegando. quero o seu peito largo pras minhas angústias pesadas e também pro meu suspiro aliviado. quero os seus suspiros. e o seu quadril se movendo lentamente entre o meu. quero seus lábios e tudo o que possa estar ligado à eles. e quero seu sorriso, seu riso, seu choro e seu pranto. seus medos entre os meus dedos e seu repouso exausto nos meus olhos. quero suas promessas que me fazem rir e seu amor que me faz acreditar. quero nós.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

sincronicidade III

você chega com seu sorriso largo e seu abraço apertado. e de repente o mundo tem as cores mais vivas. e de repente o meu olhar se ilumina e eu não preciso de mais nada além daqueles segundos em que seus abraços envolvem o meu corpo e deixo de escutar os sons ao nosso redor.
então nos sentamos e conversamos. enquanto falamos sobre todas essas coisas modernas e brilhantes que dizemos ser e sentir, eu só queria dizer que faz muita falta escutar a sua voz e o jeito como você gagueja um pouco quando fica nervoso. enquanto brinco com o canudinho de qualquer bebida doce e forte, queria mesmo era brincar com os fios desarrumados do seu cabelo. então brinco com os seus instintos, te fazendo olhar pra onde eu te guio, te deixando desconsertado em meio ao nosso assunto moderno-e-brilhante.
nós somos tão bonitos e tão divertidos e tão inteligentes e tão agradáveis. todos os meus amigos comentam "como o seu namorado é legal", "vocês formam um casal perfeito!" todas as vezes que estamos juntos. e comentam da nossa química, e um deles já até disse querer me beijar depois de observar o jeito como eu te beijava, as nossas bocas se encontrando com aquela nossa gula.
eu só digo "ele não é meu namorado", mas tenho vontade de dizer que, mesmo assim, mesmo depois de tudo, eu queria que fosse. que a nossa química é mesmo irresistível e que você faz com que eu me sinta nua quando me olha daquele jeito. que não adiantaria que o meu amigo me beijasse, que o cara da mesa ao lado me beijasse, que a amiga em quem dou selinhos me beijasse: o nosso beijo é só nosso. a minha boca não aceita outra com tanto carinho, não procura outra boca com tanta luxúria.
quando você gesticula enquanto fala com toda aquela empolgação, eu só consigo lembrar dessas suas mãos que eu tanto amo deslizando pelo meu corpo, me despindo, me apertando. e quando você sorri despretencioso, lembro de acordar ao seu lado e te ouvir em alguns minutos "acredita que já estou com fome?". eu também tenho fome, gula, ânsia. de você, dos seus olhos me despindo todos os dias, do seu sorriso me iluminando, do seu abraço que aquece mais dentro que fora, da sua pele que se une à minha como nunca aconteceu antes em mim.
seus beijos têm gosto de mágoa, necessidade, falta, ternura, tesão, paixão, vingança, paraíso. te mordo e te aperto como quem quer te mostrar que você é meu, me pertence, não abro mão.
você diz aquelas palavras doces, como se pudesse saber exatamente o que eu queria escutar. e me toca fundo, me toca sereno. e eu não sinto mais medo, não nesse instante em que seus olhos, seu corpo e seu amor são meus. recordo a nossa história e não consigo ver um conto de fadas porque não vejo um fim. nem feliz, nem triste. não há fim, só há o infinito quando se trata de nós dois.
guardo cada minuto, cada gesto, cada som. guardo você, seus beijos, suas promessas, nossos sonhos. eles hão de ser vividos e revividos, ainda que só em mim, por mim e pra mim.

da Tati.

"Adoro como o mundo fica coitado, fica quase, fica de mentira, quando não é você. Porque esses coitados todos só serviram pra me lembrar o quão sagrado é não querer tomar banho depois. O quão sagrado é ser absurdamente feliz mesmo sabendo a dor que vem depois. O quão sagrado é ver pureza em tudo o que você faz, ainda que você faça tudo sendo um grande safado. O quão sagrado é abrir mão de evoluir só porque andar pra trás é poder cruzar com você de novo. Não é amor não. É mais que isso, é mais que amor. Porque pra te amar mais, eu tenho que te amar menos. Porque pra morrer de amor por você, eu tive que não morrer. Porque pra ter você por perto um pouco, eu tive que não querer mais ter você por perto pra sempre. E eu soquei meu coração até ele diminuir. Só pra você nunca se assustar com o tamanho. E eu tive que me fantasiar de puta, só pra ter você aqui dentro sem medo. Medo de destruir mais uma vez esse amor tão santo, tão virgem. E eu vou continuar me fantasiando de não amor, só pra você poder me vestir e sair por aí com sua casca de não amor."
Tati Bernardi

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

"Menina-moça,

tentaram me fazer acreditar que o amor não existe e que sonhos estão fora de moda. Cavaram um buraco bem fundo e tentaram enterrar todos os meus desejos, um a um, como fizeram com os deles. Mas como menina-teimosa que sou, ainda insisto em desentortar os caminhos. Em construir castelos sem pensar nos ventos. Em buscar verdades enquanto elas tentam fugir de mim. A manter meu buquê de sorrisos no rosto, sem perder a vontade de antes. Porque aprendi com a Dona Chica, que a vida, apesar de bruta, é meio mágica. Dá sempre pra tirar um coelho da cartola. E lá vou eu, nas minhas tentativas, às vezes meio cegas, às vezes meio burras, tentar acertar os passos. Sem me preocupar se a próxima etapa será o tombo ou o voo. Eu sei que vou. Insisto na caminhada. O que não dá é pra ficar parado. Se amanhã o que eu sonhei não for bem aquilo, eu tiro um arco-íris da cartola. E refaço. Colo. Pinto e bordo. Porque a força de dentro é maior. Maior que todo mal que existe no mundo. Maior que todos os ventos contrários. É maior porque é do bem. E nisso, sim, acredito até o fim. O destino da felicidade, me foi traçado no berço. Disse um certo pai Ogum."
(Caio Fernando Abreu)

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

um mês.



nunca houve um amor tão puro e verdadeiro.
todos os dias você é meu primeiro pensamento ao acordar e o último antes de dormir. é ao seu lado que eu quero estar, todo o tempo.
tenho vontade de conversar com você, como era antes. mas saber que não posso te abraçar enquanto faço isso, me impossibilita de fazê-lo. dói demais, meu bebê, não te ter mais comigo.
ainda tenho a impressão de que um dia vou te buscar naquela clínica e você vai voltar pros meus braços, de onde nunca deveria ter saído.
me perdoe pela fraqueza, por não conseguir segurar as lágrimas, por não saber sentir saudade sem dor. sei o quanto você fica nervosa e triste quando me vê chorando e, acredite, eu não quero isso. só quero que você esteja bem. que esteja brincando, sendo feliz... que não sinta nenhuma dor, nunca mais.
deixa que da dor cuido eu.

queria te contar algumas coisas... chorar abraçada com você e ver seus olhinhos calmos. dar cheirinhos naquele cantinho do seu pescoço. te ouvir ronronar de manhã. te ver esfregando os olhinhos. ganhar lambidas pra acordar. ouvir seus passos pela casa. ouvir o crec crec crec do seu café da manhã. te encher de beijos antes de sair pra trabalhar e pedir pra você ficar bem e esperar a mamãe voltar. chegar em casa e ter você me recebendo... ah, pitu, isso faz tanta falta, amorzinho, tanta falta. sentir o seu amor tão perto que quase posso tocá-lo.
você é o grande amor da minha vida.
obrigada por ter me ensinado a amar... por ter me ensinado que quem ama cuida, protege, ensina. e também aprende a deixar ir...
fica em paz, sempre. e fica perto da mamãe, porque ela não sabe viver sem você.
eu te amo, meu neném. eu te amo muito.



15/10/2008 - 31/08/2010

"lembro das tardes que passamos juntos... não é sempre, mas eu sei que você está bem agora. só que este ano o verão acabou cedo demais".

segunda-feira, 23 de agosto de 2010


vem, me faz um carinho
me toque mansinho
me conte um segredo
ou me enche de beijos.

melhor forma não há pra provar meu amor.
eu te presto atenção,
tento ser sua flor.

vem, te faço um carinho
eu te toco mansinho
te contro um segredo
ou te encho de beijos.


quinta-feira, 19 de agosto de 2010

sincronicidade II

- quer que compre alguma coisa pra gente comer? só trouxe batata ruffles que você pediu.
- não, não precisa. cê tá com fome?
- não... e copo, onde vamos comprar copo?
- mas pra que? compramos coca-cola e bebemos na latinha mesmo.
- eu tinha separado duas tacinhas pra gente, mas esqueci na mesa antes de sair.

(...)

- é normal ter aquela fase de querer experimentar tudo, não ter muito apego às coisas. mas a fase tem que passar. não dá pra viver pra sempre bêbada caída por aí.
- claro! e temos que priorizar algumas coisas. como os relacionamentos...
- não dá pra sair por aí atirando pra todos os lados e se desgastando com o que já nasce fracassado. só me relaciono com quem vai me acrescentar alguma coisa. pode parecer prepotência ou soar como arrogância, mas não é, não mesmo.
- é se valorizar.
- isso, é se valorizar. isso que eu demorei, mas aprendi.
- meu tempo é pouco. o tempo é pouco, sabe? tenho casa, família, trabalho, estudos. o tempo que tenho é pra estar ao lado de quem me faça ter vontade de sorrir junto. como agora.

(...)

- sexo é imaginação, é só imaginação.
- é sim, e dá pra se virar sozinho sem precisar fazer com alguém que nem se lembre o nome no outro dia. o corpo é... sagrado.
- é! é o templo, o nosso templo. acho a banalização do sexo tão lamentável. se é bonito, se rolou atração, se nem trocaram duas palavras ainda, já vão transar.
- e amanhã? e o vazio?
- e pra quem você liga, de quem sente falta? beleza não é tudo. aliás, não é nada. é efêmera demais. tudo isso é efêmero demais.
- é. o que fica é isso aqui. o sentimento.

(...)

- você gosta de chocolate?
- amo!
- então guarda. e come em casa, pra lembrar de mim. tudo de uma vez.
- um por um. pra ser mais longo e mais doce.

(...)

- vou agradecer à quem nos apresentou.
- era pra ser assim. parece que tinha que acontecer, do jeito que aconteceu.

(...)

- queria dormir de conchinha com você.
- eu também queria, hmm.
- posso te levar em casa?
- claro.

(...)

- me liga quando chegar, tá?
- te ligo. mil beijos.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Reflections of a Skyline




"E eu quero brincar de esconde-esconde, te emprestar minhas roupas, dizer que amo seus sapatos, sentar na escada enquanto você toma banho, e massagear seu pescoço. E beijar seu rosto, segurar sua mão e sair p'ra andar. Não ligar quando você comer minha comida, e te encontrar numa lanchonete p'ra falar sobre o dia. Falar sobre o seu dia e rir da sua, sua paranóia. E te dar fitas que você não ouve, ver filmes ótimos, ver filmes horríveis. E te contar sobre o programa de TV que assisti na noite anterior e não rir das suas piadas. Te querer pela manhã, mas deixar você dormir mais um pouco. Te dizer o quanto adoro seus olhos, seus lábios, seu pescoço, seus peitos, sua bunda. Sentar na escada, fumando, até seus vizinhos chegarem em casa, sentar na escada, fumando, até você chegar em casa. Me preocupar quando você está atrasado, e me surpreender quando você chega cedo. E te dar girassóis e ir à sua festa e dançar. Me arrepender quando estou errado e feliz quando você me perdoa. Olhar suas fotos e querer ter te conhecido desde sempre. Ouvir sua voz no meu ouvido, sentir sua pele na minha pele, e ficar assustada quando você se irrita. Eu digo que você está linda, e te abraçar quando você estiver aflita, e te apoiar quando você estiver magoada, te querer quando te cheiro, e te irritar quando te toco e choramingar quando estou ao seu lado. E choramingar quando não estou. Debruçar-me no seu peito, te sufocar de noite e sentir frio quando você puxa o cobertor e sentir calor quando você não puxa. Me derreter quando você sorri, me desarmar quando você ri. Mas não entender como você pode achar que estou rejeitando você quando eu não estou te rejeitando, e pensar como você pôde pensar que eu te rejeitaria. E me perguntar quem você é, mas te aceitar do mesmo jeito. E te contar sobre o 'tree angel', 'o menino da floresta encantada' que voou todo o oceano porque ele te amava. Comprar presentes que você não quer e devolvê-los de novo. E te pedir em casamento, e você dizer 'não' de novo mas continuar pedindo, porque embora você ache que não era de verdade mas sempre foi sério, desde a primeira vez que pedi. Ando pela cidade pensando. É vazio sem você mas eu quero o que você quiser e penso. Estou me perdendo, mas vou contar o pior de mim e tentar dar o melhor de mim porque você não merece nada menos que isso. Responder suas perguntas quando prefiro não responder, e dizer a verdade mesmo que eu não queira, e tentar ser honesto porque sei que você prefere. E achar que tudo acabou, espera só mais dez minutos antes de me tirar da sua vida. Esquecer quem eu sou e me deixar tentar chegar mais perto de você. E de alguma forma, de alguma forma, de alguma forma compartilhar um pouco do irresistível, imortal, poderoso, incondicional, envolvente, enriquecedor, agregador, atual, infinito amor que eu tenho por você."

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

pra machucar os corações.


(do blog Caio F Caio)


Para quem tem mais de 30, 35 anos, este disco pode ser uma tortura. Não, não é que seja um mau disco. Eu explico. Ou tento.
É que fatalmente eu/tu/ele/nós vamos lembrar. E não estou certo se essas lembranças serão boas. Ou se seriam boas, lembradas hoje, você me entende? Porque o tempo passado, filtrado pela memoria e refletido no tempo presente – agora -, parece sempre melhor. E terá mesmo sido?

Apenas, quem sabe, porque não havia fadiga lá. Aquela fadiga que se insinua, persistente, entre o ruído das buzinas e das descargas abertas nos engarrafamentos de trânsito, todo dia. Ou essa, de atravessar mais uma vez qualquer avenida às seis da tarde para, de repente, olhar a multidão também fatigada e preguntar: mas que cidade, afinal, é esta. E que vida? A quase amável, paciente fadiga de contemplar o grande relógio das repartições e escritorios, quase imóvel na sua lentidão, a partir das cinco e a caminho das seis da tarde. Para nos despejar, novamente, nas ruas entupidas de fumaça e desejos bandidos nas esquinas, dentro de carros apertados entre outros carros ou de ônibus apinhados – até o interior dos apartamentos, com seus fantasmas emboscados, uns mortos, outros vivos. E então o acúmulo de contas atrasadas, telefonemas ansiosos, telenovelas chatas, quem sabe algum plano, certas fantasias. Outra cidade, outro país, outro planeta, outra vida que não esta – uma memória de flores no cabelo e pés descalços, pouco antes do ruído do despertador e o do meu/teu/dele/nosso coração serem os únicos audíveis dentro da escuridão onde afundamos na lama de nossos sonhos mortos.

Mas eu falava – tentava – de um disco. De John Lennon.

Ele foi gravado ao vivo, no Madison Square Garden, a 30 de agosto de 1972. Há quase, portanto, 14 anos. Você tinha quantos – 15, 20, 25? E provavelmente também imaginava que, um dia, pudesse não haver mais guerras, nem países, nem ódio entre as pessoas. Um mundo novo, não é isso? Depois houve cinco tiros nas costas, e pouco antes, durante o depois, os muros das cidades pixados com frases como “flower-power is dead”. E então uma invasão de cabelos muito curtos, quase raspados, roupas negras, couro justo: a ridicularização de tudo em que você acreditou durante tanto tempo – e largou faculdade, largou família, caiu em bandos pelas estradas para sonhar com essa coisa que não aconteceu: um mundo novo. O deboche das suas antigas – e perdidas – ilusões. Patrício Bisso só sobe no palco para cantar qualquer coisa como “bolsa peruana? Sandália indiana? Hippie! Mata”. Eu rio, você ri, ele ri – nós rimos todos juntos. E temos um sutil cuidado em evitar, no vocabulário, no vestuário, qualquer detalhe capaz de nos identificar como sobreviventes daquele tempo. Agora somos mais do que modernos: demi-darks. Não temos fé, nem esperança, nem caridade. Bebemos vodca pura, cheiramos umas. Nunca mais compramos uma caixinha de incenso. E a bad-trip pinta sem química.

Tudo isso dói tanto. Eu nunca mais tinha ouvido John Lennon. O tempo corre, a gente vai descobrindo jeitos de se proteger. Elis? Nem pensar: põe aí a Paula Toller. Marc (quem lembra?) Bolan? De jeito nenhum, melhor um Boy George, cara. Let´s Roller. It´s only rock and roll. Só que eu nem sempre sei se gusto. Mas, por trás das defesas, esse vinco no canto esquerdo da boca continua avançando, cada vez mais fundo, cada vez mais longo. Você tenta reagir, sem dizer claramente não, pelo amor de Deus, não me dá esse disco pra ouvir, eu não entendo nada de música, eu não conheço John Lennon e nunca ouvi falar em Yoko Ono. Eu não tenho tempo. Não posso parar, nem pensar, nem sentir. Nem lembrar. Eu preciso ganhar dinheiro. Tenho pressa neste passo alucinado em direção ao buraco-negro do futuro.

Mas você acaba aceitando. Agora somos profissionais. Coloca no toca-discos, como quem não quer nada. Liga a TV, ao mesmo tempo. E no meio dos sons que vêm também da rua e dos outros apartamentos, de repente aquela voz tão antiga e conhecida grita:

- Mother!

Aumente o volume. Ou desligue para sempre, você me entende?

(Publicado no Estadão, Caderno 2, Domingo, 6 de abril de 1986)

terça-feira, 10 de agosto de 2010

acreditar.

.


Depois, penso também naquele quase velho poema do John Lennon: “I don’t believe in yoga/ I don’t believe in mantra/ I don’t believe in God/ I don’t believe in Freud/ I don’t believe in drugs/ I don’t believe in sex/ I don’t believe in Beatles” e termina com um acorde profundo de guitarra e um “I just believe in me”.
(Caio Fernando Abreu)

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

das minhas palavras preferidas,

sincronicidade,
sintonia,
reciprocidade,
ternura,
aconchego,
chamego,
aninhar.


as surpresas.

"eu quis te conhecer
mas tenho que aceitar:
caberá ao nosso amor o eterno
ou o 'não dá'."
(Janta - Marcelo Camelo e Mallu Magalhães)


quando você não acredita em amor. quando você não faz mais planos parecidos com contos de fadas. quando não se imagina dizendo aquelas coisas bregas nunca mais. quando 'nunca' e 'sempre' passam a ter a mesma dimensão. quando acha tudo que as pessoas pensam sobre sentimentos pura ingenuidade. quando só quer trepar. quando anota números de telefones que nunca vai ligar. quando pensa em muita gente e não sente falta de ninguém. quando as pessoas só entram como luz passageira, como cometas. quando o céu é sempre escuro.
quando alguém te faz rir. e depois te faz sorrir. quando você passa seu número e dorme com o celular embaixo do travesseiro torcendo pra ser acordada por uma mensagem. quando o céu volta a ter uma lua que você observa e imagina se a outra pessoa já observou hoje. quando você tem vontade de andar de mãos dadas por aí. quando quer um único colo. quando sente saudades do que ainda não fez. quando diz sem parar coisas bobas e piegas. quando gosta da sensação que aquelas palavras causam. quando tem vontade de fazer amor. quando acha apelidinhos bregas a coisa mais delicada que já ouviu. quando suspira ao escutar aquela - só aquela - voz. quando fecha os olhos e faz planos. quando sonha dormindo, sonha acordada, sonha junto. quando um mês parece muito e a eternidade parece muito pouco. quando o som de uma única risada ecoa nos seus ouvidos por horas. quando nenhum medo é capaz de tirar as borboletas do estômago. quando você tem certeza que aquela coisa de pessoa certa faz algum sentido. quando mesmo que fosse a pessoa errada, continuaria fazendo todo sentido. quando você quer. e diz sim. e quando você sente algo tão bom que não pode ter nome, ninguém nunca nomeou porque certamente ninguém nunca sentiu. quando você aceita as surpresas, as brigas, o carinho, a proximidade distante. quando você decide ir em frente e pede, tão frágil: me dá a mão?

domingo, 1 de agosto de 2010

sincronicidade I

— é foda, né, cara. a vida. a vida é foda. dá pra arredar mais um pouco? tá meio apertado aqui. ah, brigadão. difícil conhecer gente que é gente boa mesmo, não é não? quase não conheço, mano. e eu mesmo não sou não. tenho amor por ninguém não. é foda isso também né, perder o amor né não? pois é, mas eu sou feliz sabe? sou feliz porque eu podia tá morto mas eu tô vivo. depois que as balas do meu tio acabaram, o cara meteu bala na fuça dele. e meteu bala na minha tia que tava escondida atrás do balcão lá do bar do meu tio. tentei correr sacou? mas não deu, o grandão já tava na minha cara e sentou o dedo. lembro dele correndo e que eu tentei correr mas não conseguia mais levantar. aí chegaram uns brothers e ficaram me falando 'pô, levanta aí, levanta aí que cê dá conta, mano'. só que não dei conta não, cara, e tô sem dar conta até hoje, tá ligado? já ouvi tu contando na avenida pros mano lá que foi acidente né velho? acidente é foda, né, cara. a vida é meio que um acidente, cê não acha não? pô, eu acho. tô achando agora. foi meio que um acidente eu estar no bar e não levantar mais, tá ligado? mas é Deus né e com Deus a gente não discute. já discuti, mas não deu em nada nada. essa cadeira sua é meio ferrada não é não? tá vendo essa aqui? consegui de uma dona que comprava as blusa lá comigo na avenida. joguei uma idéia nela e ela falou 'ó dinheiro que não dou não, mas me dá seu telefone que te arrumo uma cadeira nova'. e ela arrumou, mano, isso foi numa quinta-feira. na segunda eu fui com ela escolher a cadeira. entramo na loja e começou a descer cadeira doida demais, até motorizada sacou? mas motorizada não dá pra nós que vive a vida dura né não. aí peguei duas, velho, a dona me deu duas. falando nisso a outra é bonitona e tá lá em casa, só soltou essa parada aqui ó. cê tá ligado de onde arruma? me passa seu telefone aí que vou dar a outra cadeira lá pra você que você é brother que eu tô ligado. te vejo conversando com os brother lá na avenida e sei que você é bicha mas isso não ligo não, sacou? eu sou homem e pego umas mina aí quando rola, lá no sarah eu pegava mina demais. tinha uma lá de macacos que tinha um rabão tá ligado? homem também olha o rabo dos homem? estranho isso né não? tudo é rabo. mas me passa seu telefone aí que eu vou te arrumar a outra cadeira lá, falou? quer dizer, anota o meu aí também, é esse aqui ó. e é isso aí, velho, Deus abençoa você e sua casa lá. força aí, velho. que a vida é assim mesmo.

meu lado Tati Bernardi.





"Só ele conheceu uma mulher corajosa que admitiu todos os medos, todas as neuroses, todas as inseguranças, toda a parte feia e real que todo mundo quer esconder com chapinhas, peitos falsos, bundas falsas, bebidas, poses, frases de efeito, saltos altos, maquiagem e risadas altas. Ninguém nunca me viu tão nua e transparente como você, ninguém nunca soube do meu medo de nadar em lugares muito profundos, de amar demais, de se perder um pouco de tanto amar, de não ser boa o suficiente. Só ele viu meu corpo de verdade, minha alma de verdade, meu prazer de verdade, meu choro baixinho embaixo da coberta com medo de não ser bonita e inteligente. Só para ele eu me desmontei inteira porque confiei que ele me amaria mesmo eu sendo desfigurada, intensa e verdadeira, como um quadro do Picasso."

sábado, 17 de julho de 2010

as mulheres que não se apaixonam.

dizem que os homens não se apaixonam. que não fazem planos à longo prazo ao lado de alguém (ainda que esse alguém seja a mulher com quem namora há 2 anos e 7 meses). que não perdem o sono ou o apetite depois de uma briga de relacionamento. que não ficam ansiosos esperando por uma ligação no dia seguinte. que não sentem o coração doer depois de um término. que não há hipótese de flexibilidade alguma caso vá ferir seu ego. que não misturam sexo e amor. que não se envolvem totalmente, não se doam por completo.
e não posso fingir que é visão de mulher mal amada, não posso romantizar a coisa por completo - é assim mesmo, desse jeitinho, minuciosamente.
mas sabe que eu fiquei pensando que, ao contrário do que repito todos os dias, não sou tão azarada assim? já conheci (e amei, e tive comigo, pra mim, por mim) um homem que era exatamente o oposto desse clichê. ok, talvez não fosse uma questão de sorte, talvez fosse um encontro marcado pelo destino, talvez fosse a minha alma gêmea, talvez fosse a adolescência e seu mundo de fantasias... talvez fosse azar. porque conhecer, amar e ter um homem assim e perdê-lo, só pode ser azar. ou burrice. no meu caso, ambos.
ele era lindo. tinha o sorriso safado, o abraço envolvente e o olhar apaixonado. me escrevia cartas à lápis e depois passava a caneta por cima, pra letra ficar mais bonita. tinha uma foto minha em um porta-retrato enorme no quarto. deixava tão óbvio pra todo mundo a paixão que sentia que por vezes me envergonhava.
era ele quem ligava depois de uma briga. ignorava a maioria dos meus defeitos, ria pra esquecer de outros. não conseguia comer nem dormir direito se estivéssemos brigados. não tinha vergonha de chorar na minha frente, de dizer que estava triste, de pedir desculpas.
ele me dava presentes fora de época. elogiava todas as mudanças do meu cabelo e debochava das minhas roupas de oncinha. me beijava com carinho. me beijava com tesão. me beijava com saudade, vontade, urgência, tudo assim ao mesmo tempo.
sabia o ponto fraco do meu coração e conhecia ainda melhor os pontos fracos do meu corpo. me deixava arrepiada em poucos minutos. fazia amor gostoso, fazia sexo melhor ainda. e me abraçava e fazia carinhos depois. gostava do meu corpo exatamente como ele era, quando os quilinhos estavam a mais ou a muito menos.
e quando apareceu uma provável gravidez indesejada, ele chorou abraçado à mim. e logo depois fez carinho na minha barriga e disse que tudo ficaria bem. escolheu nomes, cuidou da minha alimentação e conversou com o bebê antes do "positivo". e chorou todas as lágrimas do mundo pelo "negativo". fez planos de filhos, casamento, amor eterno.
eu era uma princesa que não podia chorar, uma pessoa inteligente da qual ele se orgulhava, uma mulher gostosa que ele devorava com os olhos.
vocês devem estar se perguntando onde está esse homem, por que raios não estamos juntos ou querendo o telefone dele imediatamente. sinto informar: esse homem morreu. e fui eu quem matou.
se quiserem, posso dar o contato de um cara muito lindo, gostoso e com a pegada ótima. mas que não se apaixona, não faz planos, não confunde sexo com amor, não vai te ligar no dia seguinte e não vai permitir em hipótese alguma se envolver.
mas acho que desse tipo vocês já conhecem aos montes, não é?

sexta-feira, 16 de julho de 2010

respostas.

- o que sustenta toda essa força? o que se esconde atrás de tanto mistério?
- força? mistério? hmm.
muita fragilidade. e um coração.
cadastrei uma mulher que se chama Delícia, dia desses.
Delícia, gente. o nome dela é Delícia. tô morrendo de inveja até agora. imagina só, todo dia, alguém te dizendo: - Bom dia, Delícia! e isso não soando como uma putaria bem das sem graça.
ou um "Que saudade, Delícia..." no meio de um abraço fofinho. ou um "Oi, Delícia" com aquele olhar safado.
imagina você saindo do Ensino Médio, com aquelas camisetas de formandos bem das ridículas, escrito atrás em letras garrafais: DELÍCIA.
preenchendo uma ficha de emprego: Nome - Delícia. pronto, a auto-estima já tá nas alturas.
na balada um cara te fala "E aí, delícia?" e você pensa "De onde conheço esse aí, hein?!"
vai jurar que o bofe lembra de você, que não é só mais uma cantadinha barata, óbvio.
adorei.

inveja eterna dessa tal de Delícia viu.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

tudo.

sempre pensei que se algum desejo me fosse concedido por (insira aqui sua figura mística preferida), não saberia o que pedir. eu quero tudo. sempre quis tudo. e esse "tudo" é tão amplo e tão inalcançável que sempre espanta quem se aproxima das minhas vontades.
hoje eu só consigo pensar que quem quer tudo, acaba ficando sem nada.
é... esses ditados populares idiotas acabam tendo algum sentido.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

porque senti o coração apertando.

"Não deixar principalmente que entrem dentro de ti e queiram arrancar isso que está aqui, entendeu? - levou uma das mãos até o coração."


"Você fica pesando as médias que faz todos os dias, para poder sobreviver. O saldo é meio amargo."


"Vontade de não saber perdoar, de não ser compreensivo, tolerante — de não me contentar com o pouco — 'amor malfeito, depressa, fazer a barba e partir'."


"É uma atriz, tão menina, e de vez em quando umas entonações sabidas de balzaquiana, ironias de diva, charme de gatinha."


"Pudesse abrir a cabeça, tirar tudo para fora, arrumar direitinho como quem arruma uma gaveta. Tomar um banho de chuveiro por dentro."


"Desculpe mas foi só mais um engano? E quantos ainda restam na palma da minha mão? Ah, me socorre que hoje não quero fechar a porta com essa fome na boca."


"Deve haver um porto."

"tomar um banho de chuveiro por dentro".

não queria conviver com o mundo hoje. pedir o trident de hortelã na loja da esquina, andar escutando a mesma música até o ponto, lembrar das coisas que aconteceram enquanto morei tão perto dali. ver o ônibus chegar, torcer pra ter espaço pra sentar, ver que não tem, ficar puta porque velhinhos ficam em pé enquanto patricinhas ficam sentadas, desligar o pensamento durante o percurso. descer no mesmo ponto cheio de sempre, parar naquele sinal que quase nunca tá aberto, olhar as pessoas andando rápido sempre correndo atrás de algo, - boa tarde!, 12º andar, ouvir o som dos meus passos naquele corredor enorme, - boa tarde!, sorrir, escutar assuntos idiotas, falar coisas que não sinto, fingir uma força que não tenho, participar daquelas coisas das quais eu sinto nojo, me enganar enquanto abraço quem não me abraça, ter vontade de fugir o tempo inteiro.

só queria ficar quieta, me arrumar por dentro, organizar toda essa bagunça e esse amontoado de sentimentos desconexos e pesados. só queria ser eu - brincar com a capitu, fazer coreografias malucas ouvindo camarada d'água, cantar unwritten bem alto, ler e reler todos aqueles meus textos preferidos do Caio, não atender o telefone e nem a campainha, tomar sozinha o chá docinho que aprendi a fazer com a minha mãe.

é tão cansativa essa vida de 'não sentir'.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Cadê a tampa da minha panela, o chinelo do meu pé cansado, a metade da minha laranja?

Tá em ebulição, vazando, transbordando, e nada da tampa da panela pra socorrer a lambança. É culpa da pressão que eu ponho em tudo isso? É o que dizem: desencana que uma hora ele aparece.
O pé cansado já tentou calçar (à força) do chinelão que descola as tiras ao sapatinho de cristal. Nenhum serviu e o coitado tá todo esfolado.
Ninguém pra descascar, chupar ou fazer uma laranjada. Em compensação, laranjas na minha vida não faltam. E chega! Há anos peço o príncipe e só me mandam o cavalo.
Fim de ano sem amar é deprê, hein? Tô megera o suficiente pra ver uma família feliz no shopping e pensar que aquela instituição “image bank” não passa de uma união solitária de aparências. Tô megera o suficiente pra furar a fila do Papai Noel e pedir um pirulito, bem grande, bem grosso, bem exclusivamente apaixonado por mim.
Tô megera o suficiente pra abraçar os veadinhos do trenó em homenagem aos meus ex-casos. Tô megamegera o suficiente pra não admitir minha carência e dar uma risada debochada de todas as luzes, canções e emoções de boas-festas.
Tá, mas no especial do Roberto Carlos não vai dar pra ser megera. O filho da mãe sempre me faz chorar. É impressionante como a gente se sente sozinha na porra do especial do Roberto Carlos.
É claro que eu desejo o meu sucesso profissional, dinheiro, saúde, …, mas nada de atacar para todos os lados nas simpatias deste Reveillon. Não dá certo. Este ano vou focar no amor: calcinha vermelha, fitinhas vermelhas e as sete ondas vão ser puladas com a mão no coração (se eu usar a frente-única branca que comprei, é bom que a mão no coração já segura um peito) e uma só intenção: encontrar o danado.
Ah, sejamos sinceras mulheres modernas: no fundo, no fundo, a gente quer mesmo é alguém pra dormir protegida no peito (de preferência largo, forte e levemente cabeludo).
E nem é medo de ficar pra titia não, além de ter cara de mais nova e ser bem nova, eu sou filha única. É vontade de sentir aquela coisinha misteriosa de “é esse!”. Como será sentir isso? Eu sempre sinto que “pode ser esse, ou talvez com algumas mudancinhas possa ser esse ou talvez se ele quisesse, poderia ser esse…”. Não, isso tá errado. Quero sentir que “é esse”.
Dizem que materializar os sonhos escrevendo ajuda, então lá vai: quero transar com beijo na boca profundo, olhos nos olhos, eu te amo e muita sacanagem, quero cineminha com encosto de ombro cheiroso, casar de branco, ser carregada no colo, filhos, casinha no campo com cerquinha branca, cachorro e caseiro bacana. Quero ouvir Chet Baker numa noite chuvosa e ter de um lado um livrinho na cabeceira da cama e do outro o homem que amo.
Quero sambão com churrasco e as famílias reunidas. Quero ter certeza, ali no fundo da alma dele, de que ele me ama. Quero que ele saia correndo quando meu peito amargurado precisar de riso. Que ele esqueça, de vez em quando, seu lado egoísta, e lembre do meu. Que a gente brigue de ciúmes, porque ciúmes faz parte da paixão, e que faça as pazes rapidamente, porque paz faz parte do amor. Quero ser lembrada em horários malucos, todos os horários, pra sempre. Quero ser criança, mulher, homem, et, megera, maluca e, ainda assim, olhada com total reconhecimento de território. Quero sexo na escada e alguns hematomas e depois descanso numa cama nossa e pura. Quero foto brega na sala, com duas crianças enfeitando nossa moldura. Quero o sobrenome dele, o suor dele, a alma dele, o dinheiro dele (brincadeira…). Que ele me ame como a minha mãe, que seja mais forte que o meu pai, que seja a família que escolhi pra sempre. Quero que ele passe a mão na minha cabeça quando eu for sincera em minhas desculpas e que ele me ignore quando eu tentar enrolá-lo em minhas maldades. Quero que ele me torne uma pessoa melhor, que faça sexo como ninguém, que invente novas posições, que me faça comer peixe apimentado sem medo, respeite meus enjôos de sensibilidade, minhas esquisitices depressivas e morra de rir com meu senso de humor arrogante. Que seja lindo de uma beleza que me encha de tesão e que tenha um beijo que não desgaste com a rotina. Que a sua remela seja sequinha e não gosmenta e que o tempo leve um pouco de seu cabelo (adoro carecas…). Que suas escatologias não passem de piada e se materializem bem longe de mim. Tem que gostar de crianças, de cachorrinhos, da minha mãe, e tem que odiar ver pessoas procurando comida no lixo. Tem que dançar charmoso, ser irônico, ser calmo porém macho (ou seja, não explodir por nada mas também não calar por tudo). Tem que ser meio artista, mas também ter que saber cuidar dos meus problemas burocráticos. Tem que amar tudo o que eu escrevo e me olhar com aquela cara de “essa mulher é única”.
É mais ou menos isso. Achou muito? Claro que não precisa ser exatamente assim, tintim por tintim. Exigir demais pode fazer eu acabar sozinha em mais shows do Roberto Carlos. Deus me livre! Bom, analisando aqui, dá pra tirar umas coisinhas. Deixa eu ver… Resumindo então: tem que dizer que me ama e me amar mesmo, tem que rolar umas sacanagens e não pode ter remela gosmenta. Pronto!
E quando eu tiver tudo isso e uma menina boba e invejosa me olhar e pensar que “aquela instituição feliz não passa de uma união solitária de aparências” vou ter pena desse coração solitário que ainda não encontrou o verdadeiro amor.

(Tati Bernardi)

quinta-feira, 17 de junho de 2010

aceito a condição.

deixo tudo assim,
não me importo em ver a idade em mim,
ouço o que convém.
eu gosto é do gasto.

sei do incômodo e ela tem razão quando vem dizer
que eu preciso sim de todo cuidado.

e se eu fosse o primeiro a voltar pra mudar o que eu fiz,
quem então agora eu seria?

ah, tanto faz. e o que não foi não é.
e eu sei que ainda vou voltar... mas eu quem será?

deixo tudo assim, não me acanho em ver vaidade em mim.
eu digo o que condiz. eu gosto é do estrago.
sei do escândalo e eles têm razão quando vêm dizer
que eu não sei medir nem tempo e nem medo.

e se eu for o primeiro a prever e poder desistir do que for dar errado?
ah, ora se não sou eu quem mais vai decidir o que é bom pra mim?
dispenso a previsão.
ah, se o que eu sou é também o que eu escolhi ser,
aceito a condição.

vou levando assim que o acaso é amigo do meu coração...
quando fala comigo, quando eu sei ouvir...
(Los Hermanos - O velho e o moço)

sexta-feira, 28 de maio de 2010

- Capitu como vai?

Capítulo LXII - Uma Ponta de Iago.

A pergunta era imprudente, na ocasião em que eu cuidava de transferir o embarque. Equivalia a confessar que o motivo principal ou único da minha repulsa ao seminário era Capitu, e fazer crer improvável a viagem. Compreendi isto depois que falei; quis emendar-me, mas nem soube como, nem ele me deu tempo.
- Tem andado alegre, como sempre; é uma tontinha. Aquilo enquanto não pegar algum peralta da vizinhança, que case com ela...
Estou que empalideci; pelo menos, senti correr um frio pelo corpo todo. A notícia de que ela vivia alegre, quando eu chorava todas as noites, produziu-me aquele efeito, acompanhado de um bater de coração, tão violento, que ainda agora cuido ouvi-lo. Há alguma exageração nisto; mas o discurso humano é assim mesmo, um composto de partes excessivas e partes diminutas, que se compensam, ajustando-se. Por outro lado, se entendermos que a audiência aqui não é das orelhas, senão da memória, chegaremos à exata verdade. A minha memória ouve ainda agora as pancadas do coração naquele instante. Não esqueças que era a emoção do primeiro amor. Estive quase a perguntar a José Dias que me explicasse a alegria de Capitu, o que é que ela fazia, se vivia rindo, cantando ou pulando, mas retive-me a tempo, e depois outra idéia...
Outra idéia, não, - um sentimento cruel e desconhecido, o puro ciúme, leitor das minhas entranhas.
Tal foi o que me mordeu, ao repetir comigo as palavras de José Dias: "Algum peralta da vizinhança." Em verdade, nunca pensara em tal desastre. Vivia tão nela, dela e para ela, que a intervenção de um peralta era como uma noção sem realidade; nunca me acudiu que havia peraltas na vizinhança, vária idade e feitio, grandes passeadores das tardes. Agora lembrava-me que alguns olhavam para Capitu, - e tão senhor me sentia dela que era como se olhassem para mim, um simples dever de admiração e de inveja. Separados um do outro pelo espaço e pelo destino, o mal aparecia-me agora, não só possível mas certo. E a alegria de Capitu confirmava a suspeita; se ela vivia alegre é que já namorava a outro, acompanhá-lo-ia com os olhos na rua, falar-lhe-ia à janela, às avemarias, trocariam flores e...
E... quê? Sabes o que é que trocariam mais - se o não achas por ti mesmo, escusado é ler o resto do Capítulo e do livro, não acharás mais nada, ainda que eu o diga com todas as letras da etimologia. Mas se o achaste, compreenderás que eu, depois de estremecer, tivesse um ímpeto de atirar-me pelo portão fora, descer o resto dai ladeira, correr, chegar à casa do Pádua, agarrar Capitu e intimar-lhe que me confessasse quantos, quantos, quantos já lhe dera o peralta da vizinhança. Não fiz nada. Os mesmos sonhos que ora conto não tiveram, naqueles três ou quatro minutos, esta lógica de movimentos e pensamentos. Eram soltos, emendados e mal emendados, com o desenho truncado e torto, uma confusão, um turbilhão, que me cegava e ensurdecia.

(Dom Casmurro)

a menina que não vivia sonhos.

Faço promessas malucas tão curtas quanto um sonho bom.
Se eu te escondo a verdade, baby, é pra te proteger da solidão.
Faz parte do meu show, meu amor.
(Cazuza)


"O que eu mais sinto é que eu quero abraçar uma árvore, ela quer abraçar um bosque inteiro com árvores, arbustos, flores, gramas etc...
(...)
"Eu acredito em finais felizes, ela sempre diz isso de mim. Já eu não sei se ela prefere os finais felizes, ou gosta de tê-los somente nos sonhos, onde eles são mais perfeitos e bonitos, não sei se ela tem medo de torna-los reais, fazendo com que eles literalmente deixem de ser 'um sonho bom'."
(Ela)


"Só agora eu sinto que as minhas asas eram maiores que as dele, e que ele se contentava com os ares baixos; eu queria grandes espaços, amplitudes azuis onde meus olhos pudessem se perder e meu corpo pudesse se espojar sem medo nenhum."
(Caio F.)

terça-feira, 18 de maio de 2010

o que se perde enquanto os olhos piscam?

pronde vai toda tampa de caneta?
todo recibo de estacionamento? todo documento original?
isqueiro, caderneta, a camiseta com aquele sinal...
pronde vai... toda palheta?
pronde foi... todo nosso carnaval?

pronde vai todo abridor de lata?
toda carteira de habilitação?
recado não dado, centavo, cadeado?
todo guarda-chuva pra fuga pro temporal!
pronde vai... o achado, o perdido?
eu não sei, veja bem... não me leve a mal...

pronde vai todo outro pé de meia,
carteira, brinco e aparelho dental?
pronde vai... toda diadema?
recibo, receita e o nosso enredo inicial?
pronde vai toalha de acampamento,
presilha, grampo, batom de cacau
elástico de cabelo, lápis, óculos, clips, lente de contato?
a nossa má memória!
a denúncia no jornal?
pronde vai... aliança, chaveiro, chave, chinelo e o controle pra trocar canal?

pronde vai o solo que não foi escrito?
labareda nesse labirinto,
o instinto, o reflexo, sem seguro...
o coro do socorro! o lançamento oficial!
pronde vai... a culpa da cópia?
pronde foi... a versão original!?

pronde vai a bala que se disparô?
o indício da gripe que disseminou
a culpa no porco no bicho animal?
a firmação do pulso! o discurso radical!
o troco em moeda... a lição da queda
pronde foi... nosso humor e moral?

pronde vai todo nosso desalento?
morre brisa, nasce vendaval
pronde vai a reza vencida pelo sono?
ela vale? me fale, me dê um sinal!

São Longuinho, São Longuinho,
me fale, me dê um sinal...

pra onde foi?
o canhoto, benjamim de tomada
passaporte, número de telefone, certidão, registro com foto,

simpleza, prudência, clareza... consideração!
autenticidade, compaixão, certeza...
a urgência, o acaso e a ocasião,
a postura, o primeiro nome, o amuleto, a muleta,
a raiva, a régua, a borracha, o erro, a rasura, a razão.
carregador de bateria, euforia, a perda, a pendência, o pudor, o perdão!
extrato, a ponta, a conta nova, a cola da prova e a extensão,
o estímulo, exemplo, a voz dissonante...
a coragem do meu coração!

São Longuinho, São Longuinho
me fale, me dê um sinal!
São Longuinho, São Longuinho
pra onde foi a coragem do meu coração?





chorei pouco no show...

sexta-feira, 14 de maio de 2010

quanto dura um 'para sempre'?



[ Ela dorme segura protegida no ombro dele que a protege seguro. Mesmo dormindo, mesmo do lado de cá. E isso é para sempre, por mais que o tempo passe e a afaste cada vez mais dele, que continua eterno naquele segundo em que o viu. E isso ninguém roubará. ]
(Caio Fernando Abreu)




ela vai mudar... vai gostar de coisas que ele nunca imaginou.

vai ficar feliz de ver que ele também mudou.
pelo jeito não descarta uma nova paixão...
mas espera que ele ligue a qualquer hora só pra conversar e perguntar se é tarde pra ligar.
dizer que pensou nela, estava com saudade, mesmo sem ter esquecido o que passou.

ele vai mudar... escolher um jeito novo de dizer 'alô'.
vai ter medo de que um dia ela vá mudar,
que aprenda a esquecer sua velha paixão.
mas evita ir até o telefone para conversar, pois é muito tarde pra ligar.
tem pensado nela, estava com saudade, mesmo sem ter esquecido que é sempre amor mesmo que acabe.
com ele aonde quer que esteja.
é sempre amor mesmo que mude.
é sempre amor mesmo que alguém esqueça o que é amor.

para conversar nunca é muito tarde pra ligar.
ele pensa nela, ela tem saudade...
mesmo sem ter esquecido que é sempre amor mesmo que acabe.
com ela aonde quer que esteja.
é sempre amor mesmo que mude.
é sempre amor mesmo que alguém esqueça o que passou.
(Mesmo que mude - Bidê ou Balde)





[ Ele a olhou. Ela, louca de amor por ele, não o reconheceu. Ele havia deixado de ser ele: tranformara-se no símbolo sem face nem corpo da paixão e da loucura dela. Não era mais ele: ela amava alguém que não existia mais, objetivamente. Existia apenas dentro dela. ]
(Caio Fernando Abreu)