sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

28 de janeiro

Hoje é dia de mudar de casa, de rua, de vida. As malas sufocam os corredores. Os olhos buscam signos, avisos, o coração resiste (até quando?) e o rosto se banha de estrelas dormidas de ontem. Alguém pergunta: "O que é que se diz quando se está precisando morrer?". Eu não digo nada, e é a minha resposta.
Amanhã é dia de nascer de novo. Para outra morte. Hoje é dia de esperar que o verde desde quase fim de inverno aqueça os parques gelados, as ruas vazias, as mentes exaustas de bad trips. Hoje é dia de não tentar compreender absolutamente nada, não lançar âncoras para o futuro. Estamos encalhados sobre estas malas e tapetes com nossos vinte anos de amor desperdiçado, longe do país que não nos quis.
Tão completamente sento e espero que quase acredito ir além deste estar sentado no meio de escombros. Tento me concentrar numa daquelas sensações antigas como alegria ou fé ou esperança. Mas só fico aqui parado, sem sentir nada, sem pedir nada, sem querer nada.
Meu coração vai batendo devagar como uma borboleta suja sobre este jardim de trapos esgarçados em cujas malhas se prendem e se perdem os restos coloridos da vida que se leva. Vida? Bem, seja lá o que for isto que temos...

Caio Fernando Abreu in Ovelhas Negras

Um comentário:

Kine disse...

mesmo sabendo que não é assim, eu fico com a frase: "Amanhã é dia de nascer de novo." Mesmo que a morte venha em todas as noites, em todos os fins de dias, que amanhã possamos todos nascer de novo!