quinta-feira, 30 de junho de 2011

não faz sentido

eu tenho dois caminhos para seguir e nenhum deles é o que eu queria. os dois se aproximam - cada um de um jeito - dos meus desejos, mas nenhum é exatamente o que me faria feliz.
não é que eu queira aquela felicidade permanente (e utópica). só queria ficar bem. sem aspas, que é como eu costumo estar.
tudo está "bem" no momento. continuo estável há mais de um mês. os efeitos colaterais dos remédios já não incomodam tanto. meu relacionamento com meus médicos é ótimo. tenho um relacionamento que me faz tão bem que lítio nenhum superaria. minha yorkshire é meu maior pedaço de amor. tenho uma irmã maravilhosa que é minha melhor amiga. e já não preciso de relações superficiais como as que alimentei por tanto tempo. aliás, na última sessão de terapia, a psicóloga me fez enxergar como tenho me afastado do que eu fui e me aproximado do que quero ser justamente pelo tipo de pessoas com as quais me relaciono.
não tenho muito dinheiro, é verdade, mas não me falta nada que preciso. oportunidades dos mais diversos tipos têm me aparecido e eu tenho autonomia para ficar ou não com elas. eu posso escolher! e isso é de uma magnitude que não tenho como explicar.
o problema é que entre os meus caminhos, não sei qual escolher. já tentei pesar os prós e contras, mas em qualquer um dos dois sou privada do meu bem mais valioso e pelo qual mais prezo: minha liberdade.
não sei o que faria tendo-a nas mãos, afinal poucas vezes fui deveras livre (só fui muito enganada pela euforia que me fazia acreditar que eu era a própria liberdade). mas o que eu sei é que ficar presa à situações e relações doentias não é o que quero. talvez seja essa minha mudança com pés no chão (porque sempre que mudei foi por impulso)... talvez seja só o cansaço... mas permanecer inerte não é o que eu quero. não dá mais pra fugir, preciso escolher um caminho... e só me resta medo.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

abismos

nas redes sociais quase todo mundo tem um álbum do tipo "a coisa mais importante do mundo" e as fotos são da família. tenho uma amiga que ainda se sente a namorada do pai, tenho outra que diz que não seria nada sem a mãe que é sua fortaleza. sempre ouço as pessoas (até mesmo minha irmã) se despedindo no telefone: 'tchau, mãe, te amo.' ou dizendo de boca cheia e olhos claros que o pai ainda é o seu grande herói. me contam ensinamentos que receberam dos pais, dos avós, coisas que contribuíram pra formação do seu caráter e senso de justiça. recebem apoio financeiro e emocional dos pais, recebem broncas também, aliás. contam com um amparo certeiro, um apoio incondicional. "mas ela me ama de qualquer forma, ela é minha mãe", "ele nunca vai me abandonar, é meu pai, sou a coisa mais importante da vida dele".
e o que eu sinto nem chega perto de inveja, de tão menor e mais triste que é.
não sei quando fui abandonada. se aos 9 anos quando meu pai quis fugir, se aos 15 quando me tornei o desgosto da família inteira, se aos 18 quando saí de casa sem grandes avisos, se aos 22 com a descoberta de uma doença mental. não sei exatamente quando eu deixei de ser amada, quando deixei de contar com os abraços e colos e olhos compreensivos ou repressores. o que sei é que ficou um buraco tão grande, um abismo entre o que queria ter e o que tenho. o que mora dentro de mim é uma falta que nada preenche, que nada pode suprir.
a psicóloga diz que eu devo construir minha própria família e esquecer o que passou. e eu tenho vontade de dizer que não sei o que é uma família, portanto não posso ter uma.
tenho irmãos que amo mais que qualquer outra coisa na vida, irmãos que eu queria proteger de tudo e de todos, inclusive dos nossos pais (talvez principalmente dos nossos pais). e tenho inseguranças tão grandes que não caberiam em um mundo inteiro que fosse feito só pra elas.
imagino que daqui há alguns anos não terei mais contato com meu pai que terá se perdido na sua busca eterna pelo nada, que minha mãe vai continuar enganando a si mesma e esquecendo que a vida é pra ser vivida e nos falaremos superficialmente. meus irmãos vão ser meu único elo familiar e vou me emocionar sempre que vê-los, como já acontece agora.
e talvez um dia eu escreva uma carta dizendo: 'pai, eu te entendo. e eu te amo. mãe, eu te perdôo. sempre te amei e sempre vou te amar muito'. espero ter o endereço para onde enviá-la. que a gente não se perca no tempo, meus grandes e impossíveis amores.

não ter

sem lugar. sem teto, sem proteção, sem independência, sem segurança. sem disciplina, sem responsabilidade, sem paciência, sem planos. sem luz-no-fim-do-túnel, sem esperança, sem amanhã-vai-ser-outro-dia. sem forma, sem fórmula, sem encaixe, sem conserto. sem expectativas. sem colo quente, sem silêncio confortador, sem coragem, sem medo o suficiente. sem o passado, sem o presente, sem o futuro, sem qualquer coisa que seja relativa ao tempo. sem profundidade, sem objetivos, sem caminhos. sem nenhum controle. só a exaustão.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

contramão

tô parada no caminho. não sei nem se é o meio. já fiz algumas escolhas, dei passos grandes, tomei decisões difíceis. e agi muito por impulso também, claro. me deixei guiar pelo vento algumas vezes, corri mais rápido que o tempo. e cheguei aqui, nesse ponto exato da minha estrada. às vezes é difícil caminhar, então eu me sento um pouco pra descansar. e alguma hora preciso levantar e continuar, certo?
mas para onde? em qual direção? como dar o próximo passo?
é como se eu tivesse desaprendido a andar. acontece que enquanto fico aqui, parada sem saber o que fazer, o tempo continua passando, as luas e os sóis correndo. e todo mundo continua andando, por desejo de alcançar o objetivo, por costume, mecanicamente, tanto faz. mas dão um passo após o outro e saem do lugar.
e eu aqui. estacionada.
o vento não me derruba, mas não mais me impulsiona.

há uns dias vi um blog antigo meu e li algumas coisas, dentre elas um desabafo em que eu dizia nem imaginar onde estaria dali a dois anos.
os dois anos se passaram... e eu continuo aqui.
não dá pra confiar que com os próximos dois (cinco, oito, dez) será diferente.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

o tempo existe sim, e devora.

-Quando a noite chegar cedo e a neve cobrir as ruas, ficarei o dia inteiro na cama pensando em dormir com você.
-Quando estiver muito quente, me dará uma moleza de balançar devagarinho na rede pensando em dormir com você.
-Vou te escrever carta e não te mandar.
-Vou tentar recompor teu rosto sem conseguir.
-Vou ver Júpiter e me lembrar de você.
-Vou ver Saturno e me lembrar de você.
-Daqui a vinte anos voltarão a se encontrar.
-O tempo não existe.
-O tempo existe, sim, e devora.
-Vou procurar teu cheiro no corpo de outra mulher. Sem encontrar, porque terei esquecido. Alfazema?
-Alecrim. Quando eu olhar a noite enorme do Equador, pensarei se tudo isso foi um encontro ou uma despedida.
-E que uma palavra ou um gesto, seu ou meu, seria suficiente para modificar nossos roteiros.

(Silêncio)

-Mas não seria natural.
-Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem.
-Natural é encontrar. Natural é perder.
-Linhas paralelas se encontram no infinito.
-O infinito não acaba. O infinito é nunca.
-Ou sempre.


O dia em que Júpiter encontrou Saturno, Caio Fernando Abreu.
então você acorda e se dá conta de que não tem nada de concreto na vida.

domingo, 5 de junho de 2011

"a Ana é muito problemática pra você."

uma vez essa frase me tirou o chão. de repente toda insegurança do mundo tomou conta de mim, toda culpa que podia existir morava aqui dentro. problemática demais pra você. e pros meus pais, pros meus irmãos, meus amigos, meus professores, meus chefes, meus cachorros. pra mim mesma, óbvio, mas dessa parte não dava pra lembrar, a culpa não me permitia. 
quantos problemas eu já havia causado até ali? quantas vezes ouvi meus pais dizendo que eu tinha estragado tudo, que eu era o maior problema da vida deles? quantas vezes a diretora da escola recomendou às meninas que não fossem minhas amigas?
meus namoros não costumavam durar muito tempo, o Tales (amigo há muitos anos) diz que tenho prazo de validade. e os que duraram foram mais conturbados que pacíficos. já fiz sofrer muito mais do que eu gostaria. é como se não estivesse no meu controle.
quando as pessoas se afastavam de mim magicamente mudavam de vida! ficavam mais bonitas, mais bem-sucedidas, mais extrovertidas, mais estudadas. cheguei à conclusão que sim: eu sou problemática demais pra qualquer um. tenho um peso que nem sempre dou conta de carregar sozinha. divido e estrago tudo.
problema de auto-estima, auto-piedade, culpa excessiva...? talvez.
não escrevi pra chegar à conclusão nenhuma e nem tô pedindo pra que ninguém analise isso. 
foi só necessidade de colocar pra fora o que já cansou de sair só em lágrimas e "adeus".

"Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias. Mas preparado estou para sair discretamente pela saída da porta dos fundos. Experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero. E agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui."

A Hora da Estrela

sábado, 4 de junho de 2011

despierta!

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Ferreira Gullar

sexta-feira, 3 de junho de 2011

sincronicidade V

- do que você tem medo?
- não quero falar de medo. quero falar de amor! "cantar o amor antes que o amor acabe", vamos? - deitei mais a cabeça no colo dele, meus cabelos bagunçados balançavam pendurados entre o colo, o sofá e o chão.
- falar de amor? podemos também. você tem medo de amar? - riu pretensioso, os olhos rindo junto, os dedos fazendo cachos em uma mecha de cabelo caída em seu colo.
- tudo bem então, você venceu, vamos falar de medo. por que é que você tem essa cisma? por que quer sempre saber se tenho medo, se fujo de algo e do que é?
- pra pegar na sua mão - e ele pegou na minha mão - e enfrentá-los até que eles desapareçam. então nenhuma fuga mais será necessária.