segunda-feira, 20 de junho de 2011

abismos

nas redes sociais quase todo mundo tem um álbum do tipo "a coisa mais importante do mundo" e as fotos são da família. tenho uma amiga que ainda se sente a namorada do pai, tenho outra que diz que não seria nada sem a mãe que é sua fortaleza. sempre ouço as pessoas (até mesmo minha irmã) se despedindo no telefone: 'tchau, mãe, te amo.' ou dizendo de boca cheia e olhos claros que o pai ainda é o seu grande herói. me contam ensinamentos que receberam dos pais, dos avós, coisas que contribuíram pra formação do seu caráter e senso de justiça. recebem apoio financeiro e emocional dos pais, recebem broncas também, aliás. contam com um amparo certeiro, um apoio incondicional. "mas ela me ama de qualquer forma, ela é minha mãe", "ele nunca vai me abandonar, é meu pai, sou a coisa mais importante da vida dele".
e o que eu sinto nem chega perto de inveja, de tão menor e mais triste que é.
não sei quando fui abandonada. se aos 9 anos quando meu pai quis fugir, se aos 15 quando me tornei o desgosto da família inteira, se aos 18 quando saí de casa sem grandes avisos, se aos 22 com a descoberta de uma doença mental. não sei exatamente quando eu deixei de ser amada, quando deixei de contar com os abraços e colos e olhos compreensivos ou repressores. o que sei é que ficou um buraco tão grande, um abismo entre o que queria ter e o que tenho. o que mora dentro de mim é uma falta que nada preenche, que nada pode suprir.
a psicóloga diz que eu devo construir minha própria família e esquecer o que passou. e eu tenho vontade de dizer que não sei o que é uma família, portanto não posso ter uma.
tenho irmãos que amo mais que qualquer outra coisa na vida, irmãos que eu queria proteger de tudo e de todos, inclusive dos nossos pais (talvez principalmente dos nossos pais). e tenho inseguranças tão grandes que não caberiam em um mundo inteiro que fosse feito só pra elas.
imagino que daqui há alguns anos não terei mais contato com meu pai que terá se perdido na sua busca eterna pelo nada, que minha mãe vai continuar enganando a si mesma e esquecendo que a vida é pra ser vivida e nos falaremos superficialmente. meus irmãos vão ser meu único elo familiar e vou me emocionar sempre que vê-los, como já acontece agora.
e talvez um dia eu escreva uma carta dizendo: 'pai, eu te entendo. e eu te amo. mãe, eu te perdôo. sempre te amei e sempre vou te amar muito'. espero ter o endereço para onde enviá-la. que a gente não se perca no tempo, meus grandes e impossíveis amores.

3 comentários:

A Equilibrista disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Andante disse...

pensativo

Kine disse...

Acho que você sabe melhor do que ninguém o que eu sinto sobre meu pai... não ele nunca tentou fugir de casa, mas fez muita cagada, mas nunca soube demonstrar amor.. Minha mãe diz que a gente briga porque somos iguais, e eu fico puta com isso, pois não quero parecer ele, não quero cometer os mesmos erros, mas sempre acabo fazendo as mesmas coisas, não sei se vou ser mesmo igual a ele, até quando vai durar meu policiamento... só sei que lembro de coisas de quando era pequena e vejo ele agora, me dá vontade de chorar, queria que fosse diferente, exatamente como você diz no texto, uma inveja de quem vê o pai como "amigo"...Mas um dia você vai poder falar essas frases do final do texto, eu sei porque um dia eu tbm vou falar ou escrever coisas assim. Só não sei quando e sob quais circunstâncias (foi difícil escrever circunstâncias que cê nem imagina).