e quantas vezes me perguntavam também "o que é que você quer da vida, Ana Paula?". essa pergunta sim me instigava. sou das querências, algo eu havia de querer da vida também, óbvio. não achava resposta, e como para todas as coisas que eu não tinha solução, eu as inventava. felicidade-sucesso-amor-carinho-respeito-sossego-inspiração. mas nesse mundo de certezas e respostas coisas abstratas não são toleradas. e então eu inventava ainda mais fundo: um trabalho que me dê muito dinheiro, uma casa enorme, um carro caro, uma moto mesmo eu não gostando e não sabendo pilotar, escola particular e renomada para meus filhos, um marido bonito e com status, ser magra e bonita para sempre, invejada pela minha inteligência e sagacidade.
a minha real vontade era só uma: fugir. de mim, deles, do mundo.
e só o tempo - tão desleal comigo, ah, o tempo - me mostrou que a pergunta que importa de verdade é "o que a vida quer de mim?". ela me quis com muitos medos e muita coragem. com muitos problemas e muita força. me quis frágil algumas vezes, me mostrou que há mais heroísmo em levantar de uma queda ao chão que em alçar vôo.
a vida me quis sozinha, dos silêncios e dos ecos. das descobertas sombrias. mais dos dramas que das comédias. e que se há de fazer? me fizemos - ela e eu - assim.
a vida esperou de mim decisões firmes e passos largos e nem sempre pude atendê-la. quando pude fui aplaudida de pé pela única platéia que realmente importa: minha consciência. me quis com colo quente e ouvidos macios, com fala aveludada que acalenta os desolados, com um instinto materno e protetor incontrolável.
me quis de desejos ferozes e insaciáveis. de teimosias e argumentações intermináveis. de pulso firme, porém de cabeça aberta.
a vida fez de mim uma pessoa fiel às suas vontades e crenças, e à nada mais.
não importou o que eu quisesse da vida: hoje não há marido com status ou carro importado que sacie minha sede. e fugir não adianta mais.
meu destino é encarar, é enfrentar, persistir.
e se amanhã a minha vida mudar de idéia, não há nada que eu possa fazer senão obedecê-la e seguir.