segunda parte
uma loucura não tão delicada
uma loucura não tão delicada
vôos da mente
há um tipo especial de dor, exultação solidão e pavor envolvidos nessa classe de loucura. quando se está para cima, é fantástico. as idéias e sentimentos são velozes e freqüentes como estrelas cadentes, e você os segue até encontrar algum melhor e mais brilhante. a timidez some; as palavras e os gestos certos de repente aparecem; o poder de cativar os outros, uma certeza palpável. descobrem-se interesses em pessoas desinteressantes. a sensualidade é difusa; e o desejo de seduzir e ser seduzida, irresistível. impressões de desenvoltura, energia, poder, bem-estar, onipotência financeira e euforia estão impregnadas na nossa medula. mas, em algum ponto, tudo muda. as idéias velozes são velozes demais; e surgem em quantidades excessivas. uma confusão arrasadora toma o lugar da clareza. a memória desaparece. o humor e enlevo no rosto dos amigos são substituídos pelo medo e preocupação. tudo que antes corria bem agora só contraria - você fica irritadiça, zangada, assustada, incontrolável e totalmente emaranhada na caverna mais sinistra da mente. você nunca soube que essas cavernas existiam. e isso nunca termina pois a loucura esculpe sua própria realidade.
a história continua sem parar, e finalmente só restam as lembranças que os outros têm do seu comportamento - dos seus comportamentos absurdos, frenéticos, desnorteados - pois a mania tem pelo menos o lado positivo de obliterar parcialmente as recordações. e então, depois dos medicamentos, do psiquiatra, do desespero, depressão e overdose? todos aqueles sentimentos incríveis para desembaralhar. quem está sendo educado demais para dizer o quê? quem sabe o quê? o que foi que eu fiz? por quê? e o que mais atormenta, quando vai acontecer de novo? temos também os lembretes amargos - remédios para tomar, para ressentir por ter tomado, para esquecer; tomar, ressentir, esquecer, mas sempre tomar. cartões de crédito cancelados, cheques sem fundo a serem cobertos, explicações devidas no trabalho, desculpas a serem pedidas, lembranças intermitentes (o que foi que eu fiz?), amizades cortadas ou esvaziadas, um casamento terminado. e sempre, quando isso vai acontecer de novo? quais dos meus sentimentos são reais? qual dos meus eus sou eu? o selvagem, impulsivo, caótico, vigoroso e amalucado? ou o tímido, retraído, desesperado, suicida, cansado e fadado ao insucesso? provavelmente um pouco de cada lado. de preferência, que grande parte não pertença a nenhum dos dois lados. virginia woolf, nos seus vôos e mergulhos resumiu essa história: "até que ponto nossos sentimentos extraem sua cor do mergulho no mundo subterrâneo? quer dizer, qual é a realidade de qualquer sentimento?"
Kay Redfield Jamison
Um comentário:
é pesado, mas você sabe que sempre vai ter quem lhe ajude a carregar! []
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