sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

desamor em alguns atos

vi a Marjorie Estiano interpretando naquela minissérie sobre as músicas do Chico e sabia que já tinha passado por algo do tipo. que tinha sido com você. só não lembrava direito o que era, você sabe, a memória não ajuda.
tava aqui escutando "Ela faz cinema" e pronto, lembrei.
estávamos na lojinha de milkshake (milkshake do qual você tem alergia, aliás), você cansado, eu também. algumas horas antes eu disse no twitter que tudo que precisava era chocolate. você me levou uma caixa de amanditas. e eu disse que não queria mais chocolate, a vontade tinha passado - mas ia levá-las assim mesmo, não se recusa amanditas, não é?
e eu ri de um ex que ficava me dizendo "se cuida" o tempo todo.
- como se eu fosse morrer porque não tô mais com aquele babaca. odeio isso. aliás, você também ficava nessa de "se cuida bem" quando terminamos. claro! achou que minha vida ia acabar porque não tinha mais você? coitado. - eu sempre sou tão debochada quando não devo...
- mas era de coração, eu queria te ver bem, viu? - e você se magoava com meus deboches.
depois eu disse que todos os evangélicos são burros e manipuláveis. que só gente sem cérebro é evangélica. que é ridículo, que não tenho respeito por nenhum deles. debochei, fiz piadinha. você perguntando o tempo todo "mas todos?" e eu respondendo rindo "é, todos, todos uns idiotas".
aí você me contou que toda sua família é evangélica. e eu não fiquei nem um pouco constrangida, só disse que ia fingir que, pra mim, eles não eram idiotas. você parecia tão cansado...

eu tinha tantas certezas. tantas certezas equivocadas.
como naquela sexta-feira tomando caipivodka de abacaxi no bar de comida baiana, no Santa Tereza. naquela sexta-feira que todos os lugares que íamos estavam ruins ou cheios ou fechados e já tínhamos perdido o show do Otto. naquela sexta-feira que você se irritou porque eu sempre chegava atrasada e que eu me esforcei pra vencer a apatia. naquela sexta-feira com o céu lindo, com seu perfume gostoso de cheirar bem atrás do pescoço, com o silêncio dentro do ônibus e as risadas à cada parada sem sucesso. naquele bar de comida baiana com o cheiro enjoativo e a caipivodka de abacaxi sem doce, naquela mesa do lado de fora onde não tinha espaço pra pendurar minha bolsa enorme. em que te contei no recente namoro de uma amiga e que o novo amor-da-vida-dela já ia conhecer o filho, a mãe, os amigos dela. você tinha o olhar vazio e a voz entristecida quando me perguntou quando conheceria minha mãe e meus irmãos. quando disse que sua mãe perguntava quando ia me conhecer. e eu ri, com ar de deboche, como sempre faço nas horas mais erradas. disse que quando passassem as comemorações chatas do final do ano todos se conheceriam. eu não acreditava naquilo, mas acreditava que todas as comemorações não seriam nada chatas, porque estaríamos juntos. porque você me ligaria no natal desejando coisas clichês e lindas, e eu ia te imaginar de roupa nova e bem passada na casa dos seus pais enquanto nos falássemos. porque no reveillon nós iríamos fazer qualquer coisa que não me preocupava, mas estaríamos juntos. abraçados, bêbados, risonhos. e nos beijaríamos longamente depois da contagem regressiva ridícula. e o beijo seria o melhor do primeiro minuto do novo ano. todos os novos beijos eram melhores que os outros. todos tinham o gosto da certeza equivocada. só o último teve o gosto real do que ele significou. não houve ligação no natal e muito menos beijo prometendo um 2011 juntos. só o vazio dos seus olhos que agora veio morar dentro de mim.

uma semana depois estaríamos tomando caipivodka de abacaxi de novo, bem docinha, naquele bar adorável perto da sua casa. sem assunto, sem olhares, sem cumplicidade, sem carinho. e eu ainda guardava todas as certezas vãs.

no sábado pela manhã você me olhou nos olhos durante longos minutos. e ignorando a única certeza verdadeira até então, eu fingi que não sabia que era a última vez. eu fingi que não sabia que aquele seu jeito - que eu tanto amava - de encaixar minha mão pequena como uma conchinha na sua mão grande e dar um beijo de olhos fechados era uma despedida delicada. fingi que a nossa distância era cansaço com a rotina, era minha depressão, era o fim de ano e seu clima pesado... era qualquer coisa, menos o fim.

quando saíamos da sua casa, eu tive vontade de chorar. fui andando na sua frente em direção à porta, e você me puxou pelo braço, me olhou nos olhos e me deu um beijo longo, cheio de língua e mãos me apertando junto ao seu corpo, cheio de suspiros e adeus. me soltou e sorriu. então eu soube, eu acreditei.
- nossa, bom dia! isso que é um beijo de despedida. - eu disse tão abandonada e pequena que quase desapareci. mas sorria, tão sutil, tão debochada.
- é, isso que é um beijo de despedida.

e foi. a única certeza real. o único sinal que eu não ignorei.
aquela era definitivamente uma despedida.
não era um final feliz, mas por sorte ou não - quem dirá? - foi o nosso.



(talvez nem me queira bem, porém fez um bem que ninguém me faz)

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