sábado, 29 de janeiro de 2011

es-ta-bi-li-za-a-dor

"Tinha desejos violentos, pequenas gulas, urgências perigosas, enternecimentos melados, ódios virulentos, tesões insaciáveis. Ouvia canções lamentosas, bebia para despertar fantasmas distraídos, relia ou escrevia cartas apaixonadas, transbordantes de rosas e abismos. Exausto então, afogava-se num sono por vezes sem sonhos."


"Há uns seis meses praticamente não saio de casa, detesto tudo, perdi o contato com as pessoas, fico vivendo uma vida toda pra dentro, lendo, escrevendo, ouvindo música o tempo todo."

Caio Fernando Abreu


Peguei dois trechos do Caio, assim meio que por acaso. Lendo assim poderia jurar que ele era bipolar. Vai ver era, vai ver só conhecia a dor em estado bruto e a alegria que entorpece de longe e escrevia como se fosse de dentro...

Ontem foi minha primeira consulta com o Dr. Marcelo, o psiquiatra novo. Foi num hospital psiquiátrico e eu descobri que tenho alguns preconceitos ridículos.
Finalmente encontrei meu médico! Saí de lá com o mesmo diagnóstico pela terceira vez e uma sensação de alívio que não dá pra explicar...
- Quais são os sintomas?
Tive vontade de falar 'você não entenderia'.
- Chega a fase da depressão e derruba tudo. Desisto de emprego, de namoro, de estudos, qualquer coisa que demande mais esforço que abrir os olhos e fechá-los de novo. Fico a noite toda acordada, durmo durante o dia, não tenho ânimo pra nada, varrer a casa me exige uma força absurda que não tenho de onde tirar. Tenho pensamentos pessimistas o tempo inteiro, imagino coisas absurdas, tenho medo de todo mundo, acho que o mundo tá armando um plano pra me foder. Me isolo, não consigo participar de nada. Não tô no mesmo ritmo do resto do mundo, é isso... não rodo junto com eles.
- Hmm... e depois?
- Depois vem a euforia e eu tenho pena dos pobres mortais que não são e nunca serão tão fortes e poderosos e magnéticos quanto eu. Sou produtiva, comunicativa, bebo muito, faço as pessoas rirem o tempo todo, elas se apaixonam e eu não me importo com nada do que sentem. Dissimulo sem culpa, o que importa sou eu, eu, eu. O mundo foi feito pra mim, se é que não foi feito por mim.
- E a libido? Aumenta?
- Muito.
- Tem muitos parceiros?
- Tô com depressão, não dou conta de nenhum. Mas na euforia tenho muitas relações afetivas.
- E o sexo?
Que fixação é essa, meu amigo?
- É muito e é bom.
Que cara-de-pau é essa, Ana?
- Faz muitas compras?
- Muuuitas. E me atolo em dívidas, não tenho mais nome na praça nem cartão de nada. Tenho tanta coisa sem uso em casa que dava pra montar uma loja. Coisas absurdas.
- Você disse que são fases... Sabe de quando em quando ou quanto tempo duram?
- Só consegui observar a depressão, que vem mais forte no final do ano e dura até fevereiro ou março, mais ou menos. Tenho depressões brandas e muita euforia o resto do tempo.
- E já passou por alguma situação de perigo?
- Viajei sem dinheiro pra voltar, sem documento, pra dormir na rua... Andei no telhado do prédio, no 14º andar, briguei de gritos, arranhões e mordidas com um homem muito mais alto e mais forte que eu, fui pro pronto socorro tomar remédio na veia sem necessidade, tive mais de 5 namorados ao mesmo tempo... tantas e tantas coisas... Mas é difícil separar o que é a Ana e o que é a doença.
- É um quadro típico... você tem um temperamento diferente. - eufemismos, ah, os eufemismos... - você tem Transtorno Bipolar Afetivo. E hoje já se sabe que pessoas brilhantes que fizeram coisas maravilhosas também eram portadoras do transtorno. - então ele contou de um cara que escreveu a constituição e de um outro cara que jogou futebol em uma copa aí e fez gol em todos os jogos. - Ele estava maníaco. -e riu. E ri. Maníaco.
Ele tirou o antidepressivo do psiquiatra antigo, passou outro e um estabilizador de humor.
- Já tinha recebido o diagnóstico antes? Sua psicóloga já falou disso pra você?
- Sim. Sim. - já tive esses fantasmas sim senhor.
- Pois então. Eu confirmo. É um caso clássico. E você é muito forte e vai ficar bem. Esse antidepressivo que te passei tem efeito rápido, logo você vai perceber que está mais animada. Tem que se observar, aprender a conhecer as reações do seu corpo. Vai melhorar seu sono também. As crises vão acontecer, mais brandas e em menor frequência, mas eu vou te acompanhar e vou estar aqui pra te ajudar. - uma mão amiga, meu Deus, muito obrigada por ela. - Daqui um mês você volta e a gente vê como estão as coisas. Vai ficar tudo bem.

Amém.


2 comentários:

Anônimo disse...

que assim seja.

Kine disse...
Este comentário foi removido pelo autor.