quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

a efervescência e a cumplicidade

não entendo por que nos atraímos tanto pelo intenso, porém fugaz. quer dizer, entendo sim, visto que hoje somos todos muito independentes (ou pelo menos pretendemos ser) e nada que signifique um vínculo nos é favorável à isso.
há algum tempo atrás a palavra que definia minha vida era 'efervescência'. imagine aquele remédio que faz borbulhas e barulhinhos gostosos, termina rápido o efeito e se não for tomado na hora exata, em que faz cócegas no céu da boca, não valerá de nada.
uma paixão por semana e muito desejo de novidade. pensava - ingênua e pretenciosamente - conhecer o outro em pouquíssimos dias. assim que um desejo ou escolha se tornava previsível, pronto, era o anúncio do fim. o mistério do mundo do outro teria terminado e aquilo em breve se tornaria uma rotina - o que eu definitivamente não suportava.
conhecer muitos sotaques, muitos lugares, muitos beijos, muitos corpos, muitos sonhos... fazer parte de alguns e não realizar nenhum deles.
a gente se pega pensando 'se posso ter vários, por que ter um só?'. mania de colecionador pouco experiente. sabe-se bem que grande quantidade não significa nada diante de exemplares raros.
escutei 'todo amor que houver nessa vida' e perguntei pro Cazuza onde é que aquele amor se escondia. e não acredito que tenha sido ele a me responder, mas lá no fundo eu soube: na rotina, na continuidade, na cumplicidade construída. é impossível 'ser artista no nosso convívio pelo inferno e céu de todo dia', se não houver o 'diariamente' onde isso acontece.
sim, é necessária a dose de 'veneno antimonotonia' que vem com a paixão efervescente. mas mais que isso, é necessário saber multiplicar a dose. saber encontrar nos gestos previsíveis do outro segurança, e não tédio. saber o presente que, não só agrada, mas chega na hora certa. reconhecer a hora certa de dar colo, ombro, risada, beijo, sexo. não atropelar as palavras por ansiedade, mas por empolgação. saber-se lá e sabê-lo lá. sentir, sentir-se, senti-lo. sem perguntas cheias de medo das respostas. sem armaduras e muros imensos construídos com dor e insegurança disfarçados de modernidade e indiferença.
a beleza da rotina é o sabor da fruta mordida, o trocado pra dar garantia e a vontade de matar a sede na saliva. e só é vista com olhos que querem ver. os que não querem, perdem - chances, tempo, embalo das redes.
melhor que o frio na barriga dos primeiros encontros é o cafuné antes de dormir dos que amam, constroem e permanecem. é olhar nos olhos do outro e reconhecer seus próprios sonhos. é não se incomodar com o silêncio que paira ocasionalmente, afinal aquela é a conversa de duas almas, é o remédio que dá alegria.

Um comentário:

Kine disse...
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