sábado, 24 de março de 2012

- vou embora mais cedo, não estou muito bem. - falei já pegando minha mochila e segurando as lágrimas
- tá passando mal, Ana?
- não...
- brigou com o namorado? - ela perguntou olhando a aliança no meu dedo.
- também não.
- é um problema na família então?
respirei fundo. deveria soltar o 'é só cansaço' que venho carregando e distribuindo há tantas semanas. mas não.
- só não estou bem mesmo. tem dia que é difícil, sabe? é pesado demais.
ela concordou com a cabeça. desconfio de que não faça a mínima idéia do que eu quis dizer. não me importei dessa vez. o que cansa mesmo é ter que ficar fingindo. 'é cólica, semana que vem passa', 'minha cabeça tá explodindo e eu não sei o por que', 'desculpe mas comi algo que não me fez bem e estou enjoada', 'gripei de novo, é, eu sei, gripo muito, minha imunidade deve estar mesmo baixa'...
é que as pessoas não entendem que depressão também é doença. que não tem muito sintoma físico, mas dói, incomoda, machuca, impossibilita de viver normalmente... vem todo aquele papo de 'tenha força de vontade, seja mais otimista' e blablablá. é mais fácil mentir.
o problema é que a gente acaba absorvendo esses conceitos distorcidos. acredita que não precisa mesmo procurar o médico, que tratamento é pra quem tem 'doença de verdade', sente culpa por cada criança com câncer espalhada por aí, se considera ingrato diante da vida generosa que tem.

- você está com o humor deprimido e....
não ouvi mais nada. o choro ficou mais forte, soluços, lágrimas desordenadas, doía, doía, doía. ouvir assim em voz alta, um dedo na ferida, o medo concretizado.
- de novo não, de novo não, de novo não - não era capaz de dizer mais nada.
levei algumas broncas. não devia ter abandonado o tratamento, não podia estar sem medicação e psiquiatra e tudo aquilo que tento diariamente esquecer.
- Ana, você já percebeu que está chovendo. agora você tem que decidir o que fazer: vai sentar na chuva e esperar passar, vai para um ponto inundado ou vai abrir o guarda-chuva e se molhar o mínimo possível?
o tempo nunca fica estável. eu já devia ter me acostumado.
- é que eu pensei que tinha acabado, sabe? que não ia acontecer de novo. eu tinha tanto medo, fiz o que estava ao meu alcance, evitei de todas as formas...
- não fez tudo o que podia fazer, não. ainda temos muitas opções, muitos instrumentos pra te ajudar. você quer continuar sentindo o que está sentindo?
nem precisei responder. ela sabia melhor que ninguém.
- então lute contra. é, mais uma vez. você sabe que passa. mas sabe o estrago que faz se não for controlado da melhor forma possível. você tem que lutar.

repito mentalmente centenas de vezes 'só preciso suportar até a hora de ir trabalhar. agora só preciso suportar até acabar o expediente. preciso aguentar só até chegar na faculdade. vou tentar suportar até acabar a aula...'
um dia de cada vez acabou virando tempo demais.

Um comentário:

Andante disse...

.... deita aqui.. minha amiga não precisa falar nada