segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

minha ciranda da bailarina

sou baixinha e nunca tive o cabelo liso. e isso não me incomodava até que começou a incomodar as pessoas que me eram queridas. então eu quis mudar, eu fiz de tudo pra mudar. e, óbvio, não deu.
sou fascinada por sapatos de salto altíssimos mesmo que eles triturem meus pés. e passo horas e horas nos salões pra dar jeito no que a natureza já fez tão bonito. meu cabelo já caiu, já foi estragado, nunca mais foi o que era. não é liso, não é cacheado. cansou de tentar agradar.
já fui a melhor aluna da escola, ganhei concurso de redação e até olimpíada de matemática. e já fiz ballet até me deixar convencer que era gorda e nunca seria uma boa bailarina. e eu não tinha nem dez anos.
eu quis ser o sorriso das pessoas. quis ser o motivo do orgulho, quis colorir a vida, a casa, os sonhos. quis ser amada com tanta força como jamais alguém amou no mundo inteiro. quis ser a única, quis ser o sol, a inspiração. a luz.
e foi aí que tudo virou noite. porque eu já não queria me ser - eu, tanto dos dramas e tão pouco das comédias. eu que não sei amar a mim mesma com tanta força. eu que renunciei às minhas cores porque não agradavam ao mundo o suficiente.
fui camaleão, adaptável, rascunho, fui mentira. fui perdição. e fiquei perdida.
perdida em mim e de mim, da minha vida, dos sonhos que a bailarina de 10 anos tinha.
me senti tão patética por ousar ter vontades próprias, por pensar que podia sonhar sozinha, que podia ser da cor que fosse.
escondi os medos, as falhas, as inseguranças, as vergonhas, as rejeições. fiquei surda para todos os 'nãos' que a vida me deu e aprendi a manipular tudo para que fosse 'sim'. e quantos 'sins' eu ouvi que não eram pra mim. e quantos 'sins' me falaram presos em ilusões que sempre desbotavam.
tudo muito intenso e tão efêmero.
me perdi, ignorei a perda, não era tão valiosa assim. e descobri que ninguém pode ser o que não é. e que nunca descobriria como é ser o que sou se não me permitisse. por uma vez que fosse.
então respirei fundo.
olhei as fotos antigas e não me encontrei ali. não gosto de música alta, de pessoas me escolhendo como boneca em vitrine, de exibir meu corpo e entregar meus beijos vazios, de exigências cada vez maiores... e eu virando fruta sem polpa, sem gosto, sem semente.
me descobri doente. e descobri que me amo tanto que me cuido. descobri que filmes cults demais me dão sono e fingir que entendi não me faz mais inteligente. que não preciso ser mais inteligente, só preciso adquirir mais conhecimento. o conhecimento que eu quiser.
descobri que gosto de vestidos coloridos, que meus pés são redondos e bonitinhos, que meus olhos se expressam muito melhor que meus peitos. que quem não me ama assim, não vai me amar de jeito nenhum, porque eu não posso ser de uma cor pra cada um.
descobri que sei amar muito e muito sinceramente. que desejar casar com cerimônia simples e ver a barriga crescendo sentindo chutinhos não é coisa de mulher fraca. é coisa de mulher com sonhos. e que ser psicóloga e ter uma pousada no meio do mato também é. e qualquer outra coisa que eu quiser é exatamente isso: o que eu quero. o que eu posso ou não fazer, por amor à mim e à tudo que me é acrescentado.
minha estatura nunca vai aumentar, não há escova progressiva que anule minha genética e não preciso emagrecer pra mostrar pro mundo que a criança-bailarina-leve-e-desprotegida voltou.
porque eu não sou mais a mulher dos lábios de cereja cultuando o hedonismo, eu não sou mais a criança frágil que pede aprovação.
eu sou a menina bonita bordada de flor. que chora com cenas dramáticas no meio da comédia e que repete frases óbvias de autores populares.
e assim, do meu jeito, do único jeito que pode ser, eu sou a cor, o sorriso e a luz... do meu lar.



Não livra ninguém
Todo mundo tem remela
Quando acorda às seis da matina
Teve escarlatina
Ou tem febre amarela
Só a bailarina que não tem
Medo de subir, gente
Medo de cair, gente
Medo de vertigem
Quem não tem?

Um comentário:

Kine disse...

mesmo com as coisas ruins, "quis ser o motivo do orgulho" isso você conseguiu, pelo menos de mim.